A promessa da tecnologia e a política da empatia

A promessa da tecnologia e a política da empatia
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Ainda no rescaldo das eleições presidenciais nos EUA, o atual vice-governador da Califórnia, Gavin Newsom, falou perante líderes da área tecnológica em Silicon Valley. Para o democrata, a tecnologia tem de se aproximar mais das pessoas, e dar um maior contributo para a sociedade e a economia.

Jonathan Littman

Gavin Newsom, o fotogénico ex-mayor da capital mundial de start ups [São Francisco], e principal candidato ao cargo de governador da Califórnia, falou na semana passada sobre o que apelida de momento de viragem perante um público ansioso de empreendedores, investidores de risco, codificadores e fundadores de start ups na plataforma Applied Innovation Exchange da Capgemini. “A tecnologia está a explodir. Está a mudar a forma como vivemos, trabalhamos e nos divertimos. As pessoas têm medo, o mundo está a mudar de forma radical. Estamos num momento de charneira do ponto de vista económico”, disse Newsom perante os cerca de 300 participantes, muitos dos quais esperavam ter um presidente dos EUA diferente


O convincente discurso de Gavin Newsom [democrata] abordou um medo palpável de que as recentes conquistas na Califórnia em termos de liberdades pessoais, os avanços nas soluções inovadoras ambientais e urbanas, e a vantagem única em tecnologia e diversidade estejam agora em risco. Para Peter Leyden, fundador e CEO da nova start up de media Reinvent, e moderador do debate, “a área da tecnologia fala constantemente sobre esta transformação, mas também está relutante em falar sobre a vertente política. Vemos que o mundo seguiu em frente, e esquecemo-nos da política, esquecemos de desenvolver o tipo de pensamento em torno dela e de pensar as implicações”. Gavin Newsom acrescentou que “Trump percebeu isso. E pedia uma mudança ousada. Basicamente está a tentar convencer-nos de que ele pode assegurar o futuro e trazer de volta o passado. É um argumento absurdo. Mas que vendeu”. A tecnologia deve mudar e adaptar-se, prosseguiu. Os líderes precisam de perceber que a Costa Oeste da Califórnia tem a responsabilidade de dar o exemplo junto do resto do Estado, se não da nação. “As empresas não podem prosperar num mundo que está a falhar. E temos de aceitar isso. Podemos falar de crescimento o dia inteiro, mas tem de ser crescimento e inclusão”.

Gavin Newsom ajudou a reinventar São Francisco. Enquanto mayor, entre 2003 e 2010, ajudou a mudar o foco da indústria em Silicon Valley. As isenções fiscais para as grandes empresas se mudarem para bairros em dificuldades, o abrandar dos regulamentos para permitir uma conversão mais fácil dos armazéns vazios em prédios de escritórios, e outras iniciativas “amigas” da tecnologia levaram a um rápido afluxo de novos negócios e talento provenientes de todo o mundo. Esta política progressista ajudou a moldar as condições económicas que sustentam start ups dinâmicas e a inovação febril que se apoderou da cidade, e, ao mesmo tempo, a incendiar as tensões crescentes entre os recém-chegados – os jovens techies – e as famílias das classes média e baixa.


Durante a sua palestra, Gavin Newsom mencionou uma dura realidade: algumas das start ups mais famosas de São Francisco estão a causar um fosso digital que está a gerar divergências entre quem tem oportunidades diferentes. E abordou várias vezes tendências futuristas como é o caso da automação que poupa na força de trabalho, de empresas como a Momentum Machines, que cria tecnologia para a linha de montagem em fast food. “O objetivo não é tornar os funcionários de fast food mais eficientes. É prescindir deles. Qualquer coisa que seja repetitiva é substituída. Sem horas extra, sem reforma, sem queixas”.
A política é relevante quando se cria tais inovações, argumenta Gavin Newsom. Os líderes em tecnologia devem perceber como os novos modelos disruptivos podem ameaçar a força de trabalho, e entrar em colisão com as agências reguladoras e o Governo. Newsom tocou num dilema que tem alcance internacional, em que os trabalhadores deslocados reagem com greves e violência contra os seus substitutos na economia gig (trabalho temporário que está a resultar no aumento do “saltitar” de emprego em emprego).


O debate pós-eleitoral de Gavin Newsom surgiu da colaboração de Peter Leyden com Lanny Cohen, chief technology officer na Capgemini, na criação de What’s Now: San Francisco, uma imersão mensal nas inovações emergentes mais importantes e com “líderes de pensamento” de diferentes campos que enfrentam problemas complexos na Bay Area. A ideia é ter oradores de vanguarda que partilhem o seu conhecimento, contribuir para a comunidade. Com muitos dos eventos relacionados com tecnologia em São Francisco a funcionarem como caixas de ressonância exclusivas para geeks, marketers e financeiros obcecados com fundos de risco, aplicações e estratégias de saída, Gavin Newsom confrontou a audiência com “o que falta na conversa sobre tecnologia é a empatia”, uma palavra e tema que o político mencionou com frequência. E relembrou que a Califórnia, enquanto a 6.ª maior economia do mundo, líder na área de saúde, imigração e causas ambientais, tem o dever de partilhar o conhecimento e tecnologia, e conduzir o resto dos EUA para soluções sustentáveis. No entanto, “temos de ser um pouco sensíveis sobre como falamos uns dos outros e encontramos uma base comum”. Afinal, a Califórnia contribuiu para a economia gig que está a ameaçar a segurança do trabalho no país. “Preocupo-me com o futuro do trabalho”, afirmou, frisando a necessidade de empatia para com aqueles que não lideram ou beneficiam com a revolução tecnológica. “Preocupo-me com a automação da economia de trabalho, com o futuro. Preocupo-me com a segurança da reforma dos trabalhadores. O génio da tecnologia saiu da lâmpada. E não dá para reverter a situação”.


A mensagem mais forte de Gavin Newsom pode ter sido simplesmente que devemos dar de volta, invocando os nomes de muitos dos seus amigos da liderança de topo de Silicon Valley. O democrata contou como Eric Schmidt, CEO da Alphabet (empresa-mãe da Google), e outros se uniram para discutir de que forma a tecnologia pode assumir um papel mais construtivo na resolução de questões de segurança no trabalho e na reforma dos trabalhadores, bem como o lucro pode ser reinvestido na economia. “Não há melhor exemplo de liderança cívica em São Francisco que o de Marc Benioff [CEO da Salesforce.com], que está a apelar aos colegas no mundo da tecnologia que não esperem até ter 30, 40, 60 anos para começar a distribuir a sua riqueza acumulada”.
 

Gavin Newsom colaborou há mais de uma década com Eric Schmidt, Marc Benioff e outros líderes de empresas no Project Homeless Connect, uma iniciativa para fornecer serviços a pessoas sem-abrigo em São Francisco. E acrescentou que a crise dos sem-abrigo em São Francisco é “eminentemente solúvel”. Não só com dinheiro, mas com empatia e abordagens inovadoras – como aplicar a metodologia das start ups ao Governo. As entidades reguladoras e de ensino não estão a acompanhar o ritmo da tecnologia, considera o político, faltando aos jovens adultos saídos da faculdade as competências necessárias para terem sucesso na atual economia digital. E referiu os campus de tecnologia em rápido crescimento como a General Assembly, que “têm cursos em codificação e data science, bem como a promessa da um posto de trabalho garantido”, sugerindo que se queremos que todos tenham acesso a este tipo de cursos precisamos de os aplicar e dimensionar para o setor do ensino.


Gavin Newsom é um político, ex-mayor de São Francisco e o atual vice-governador da Califórnia. É autor de “Citizenville: How to Take the Town Square Digital and Reinvent Government”. E, talvez mais do que qualquer outro candidato recente (para presidente ou governador), está em sintonia com o impacto – e afastamento – que as tecnologias virais e as inovações disruptivas têm na economia e na sociedade. Newsom espera ser o próximo governador da Califórnia e talvez mais. E lembrou ao público que também são líderes. Num evento em que as vozes de muitos na audiência quebraram enquanto relatavam os seus receios quanto aos ataques iminentes aos ganhos políticos atingidos com tanto esforço na Califórnia para as mulheres, gays e imigrantes, Gavin Newsom relembrou a todos que havia muitos líderes na sala. “Os californianos são resilientes”, disse, terminando numa nota positiva. “As sociedades que são mais inclusivas tendem a ser as mais resistentes. O pluralismo tem retorno económico”. 

21-11-2016

Nota: Tradução do artigo de Jonathan Littman e Susanna Camp originalmente publicado no hub de inovação SmartUp.life, que reúne textos sobre empreendedorismo e inovação, incluindo um recente sobre Lisboa.


JonathanLittman2

Jonathan Littman, professor de inovação e empreendedorismo na Universidade de São Francisco, é autor bestseller (contando, entre as suas obras, com “As 10 Faces da Inovação”, escrita em coautoria com Tom Kelly, CEO da IDEO). O também fundador do hub de inovação SmartUp.life e da Snowball Narratives promove sessões e workshops interativos sobre, entre outros conceitos, inovação, empreendedorismo e design thinking.