A Volkswagen, a Altice e a destruição criativa – Camilo Lourenço

A Volkswagen, a Altice e a destruição criativa – Camilo Lourenço
A semana que passou foi fértil em acontecimentos no mundo empresarial que merecem reflexão. Destaco dois: a declaração do patrão da Altice, dona da PT, de que não gosta de pagar salários (“pago o mínimo que puder”) e a falsificação dos testes de emissões de gases poluentes por parte da Volkswagen. 
 

Camilo Lourenço 

Ambos são gravíssimos e suscetíveis de abalar a confiança de qualquer pessoa na economia de mercado. “O capitalismo está doente”, “Ainda matam o capitalismo”, foram algumas das expressões que ouvi esta semana um pouco por todo o lado. Especialmente nas redes sociais. 

Eu podia pegar nestes dois casos e tratá-los segundo uma perspetiva da gestão. Estilo condenar as declarações de Patrice Drahi por revelar falta de noção do que é gerir recursos humanos; e falar do monumental falhanço da governance do grupo Volkswagen. Mas prefiro pegar no assunto sob outro prisma: o funcionamento do capitalismo. 

Vejamos: o escândalo na Volkswagen pode dar cabo da empresa? Ou seja, pode matar a empresa? Pode. Embora me pareça que isso não vá acontecer. A multa que a empresa vai pagar, embora não esteja determinada, vai ser pesadíssima. E vai, seguramente, afetar os resultados da Volkswagen na próxima década. Com o que isso tem de outras consequências: como vai a empresa financiar o investimento em tecnologia e novos produtos para se manter no grupo que lidera o fabrico de automóveis a nível mundial? 

Agora Drahi. O CEO da Altice pode adotar a política de remuneração que quiser para o seu grupo. Se isolarmos a questão, até se compreende o que ele disse: o grupo tem feito aquisições dispendiosas nos últimos cinco anos (a última das quais o operador Cablevision, nos EUA) e precisa de recuperar esse investimento. Assim, quanto mais reduzir a despesa, mais facilmente aumenta a libertação de fundos. 

É assim? Não. O setor das telecomunicações, onde atua a Altice, é muito dependente da inovação e da criatividade (foi um dos drivers do crescimento nos últimos 20 anos). E isso faz-se com pessoas altamente qualificadas. Ora, este grupo de recursos humanos é altamente móvel: têm formação reconhecida em todo o mundo, falam inglês, não se importam de mudar de país… Se a Altice não lhes pagar bem, alguém há de pagar. Não é em Portugal, França ou Espanha? Tudo bem, mas em Inglaterra, na Alemanha ou nos EUA vai haver quem lhes ofereça melhores condições. Ou seja, a Altice pode estar a sacrificar o seu crescimento no longo prazo em detrimento do lucro no curto prazo. 

Agora deixemos as duas empresas para pensar no problema do capitalismo. Como se viu acima, qualquer das situações pode acabar mal para as duas empresas (embora a da Volkswagen seja bastante mais grave, até pela perda de confiança dos consumidores na marca). Isto é a prova de que o capitalismo não funciona? Ou que está ferido de morte, como se andou a dizer nas redes sociais? 

Não. Pelo contrário: estes casos mostram a face mais nobre do capitalismo: se estas empresas cometerem erros graves, podem morrer. E não pode ser de outra maneira. Traz problemas para as economias? Claro. Veja-se o caso de Portugal, onde a Autoeuropa pesa 5% no PIB nacional. Se a empresa desaparecer, é um desastre para o país…

Por cada empresa que morre, há outra a nascer. O que é preciso é que as economias não coloquem entraves ao seu nascimento e desenvolvimento. O que é preciso é que os recursos estejam livres para financiar novos projetos. Isso é, no fundo, aquilo a que Joseph Schumpeter chamou destruição criativa em Capitalism, Socialism and Democracy. Algo que governantes e cidadãos em geral deviam ler.

28-09-2015

 


Camilo-Lourenço-FotoNovaCamilo Lourenço é licenciado em Direito Económico pela Universidade de Lisboa. Passou ainda pela Universidade de Columbia, em Nova Iorque e University of Michigan, onde fez uma especialização em jornalismo financeiro. Passou também pela Universidade Católica Portuguesa. Comentador de assuntos económicos e financeiros em vários canais de televisão generalista, é também docente universitário. Em 2010, por solicitação de várias entidades (portuguesas e multinacionais), começou a fazer palestras de formação, dirigidas aos quadros médios e superiores, em áreas como Liderança, Marketing e Gestão. Em 2007 estreou-se na escrita, sendo o seu livro mais recente “Saiam da Frente!”, sobre os protagonistas das três bancarrotas sofridas por Portugal.