Camilo Lourenço: Os portugueses merecem políticos melhores

Camilo Lourenço: Os portugueses merecem políticos melhores
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Camilo Lourenço, jornalista e comentador económico português, refere  que "Mário Soares está a incorrer nos mesmos defeitos do Prof. Salazar e do Prof. Marcelo Caetano" e que "António Guterres é o líder que mais desperdiçou as oportunidades que teve". Camilo vê as greves como um "monumental desastre da política de Arménio Carlos à frente da CGTP".


Pedro Passos Coelho tem coisas para mostrar mas não tem marketing. O que lá estava tinha um marketing fantástico e só apresentava desastres para o país, de tal maneira que levou o país à falência.


Portal da Liderança (PL) : Acabou de publicar o livro “Saiam da Frente!”, onde analisa os últimos 39 anos de governação de Portugal. Na sua opinião, quem foi o pior e o melhor líder político durante esses anos? Quais as principais lições a não esquecer?

Camilo Lourenço não consegue destacar o melhor e o pior líder político dos últimos 39 anos em Portugal por entender que se encontram todos muito equiparados. No entanto, analisa a prestação e o percurso de Mário Soares, destacando os seus grandes feitos a favor do país, mas também os que entende serem as suas grandes falhas, referindo que este “é o pai da democracia mas não é o dono da democracia” e que “está completamente desmemoriado daquilo que fez”. Entre outros, refere que este “não se consegue desligar das ideias dos anos 70” e que está a incorrer nos mesmos defeitos do Prof. Salazar e do Prof. Marcelo Caetano, cujos discursos dos seus últimos anos revelam que também achavam que sabiam o que era melhor para o país. Sobre estes e a incapacidade de ver o que era o futuro, acredita dever-se a terem “deixado que os seus egos fossem maiores do que os projetos que tinham”.
Para além de Mário Soares, foca também Cavaco Silva, a quem louva a abertura da economia e o seu crescimento a 4 e 5%, mas que depois entende ser “um desastre completo a gerir o Estado”, ao deixar por fazer “aquilo que era fundamental”. Para Camilo Lourenço, a Administração Pública portuguesa é hoje uma ”cópia quase fiel do que era no período Marcelista”. Este discorre ainda sobre o porquê desta situação e de situações que se vivem, como ver “os sindicatos defenderem o status quo que vinha do Prof. Salazar”. Segundo este, “olhando para 900 anos de história, temos momentos fantásticos e curiosamente estes não são dos líderes, são do povo”, sendo que para este “Portugal é o país mais flexível da Europa”.

PL: Neste livro dedica a segunda parte às reformas que entende serem necessárias ao país. Quais as que destacaria como as mais importantes? 

Camilo Lourenço, ao nível das reformas mais necessárias para Portugal, destaca a da mentalidade, referindo que “em Portugal há uma desconfiança inata em relação ao privado” e que “as manchetes dos últimos tempos revelam uma série de grupos de interesse que defendem o seu território, como médicos, professores, enfermeiros, juízes e militares, porque vivem pendurados no dinheiro do contribuinte e condicionam as reformas todas”. Destaca que “É paradoxal que nós em Democracia, quando temos o mandato do povo para tomar as decisões difíceis não as tomemos”, pelo que entende que a reforma de mentalidades é fundamental.

Aborda ainda outras duas reformas que entende serem essenciais, nomeadamente o peso do Estado, que é superior à nossa capacidade de o manter, e a reforma da concorrência. Camilo Lourenço destaca que “continuamos a ter empresas que têm uma posição privilegiadíssima na economia portuguesa e que são protegidas”, analisando o porquê de os supermercados espanhóis terem preços mais económicos nos mesmos produtos que nos portugueses, abordando a questão de em Portugal existir um limite na concorrência. Para Camilo Lourenço, “a questão da concorrência é das coisas mais importantes para abrirmos a economia e beneficiarmos as pessoas e os consumidores”. 

PL: Refere que escreveu este livro para o “cidadão comum” e não para as elites. O que pode este esperar deste livro? 

Para Camilo Lourenço, “os políticos são sempre o espelho do país que nós somos”, referindo que o cidadão comum já está a interessar-se e a querer agir, não sabe é como o fazer. Aborda ainda o que realmente foi feito e alcançado nos últimos 39 anos e as consequências dos mesmos, nomeadamente as privatizações.

PL: Quais os desafios que se colocam aos portugueses para conseguirem quebrar e ultrapassar este ciclo de crises económicas que temos vivido? 

Segundo Camilo Lourenço, os portugueses apenas precisam de bom senso para ser possível ultrapassar este ciclo de crises económicas, referindo exemplos de outros países de como conseguir ultrapassá-lo de vez. Destaca Francisco Assis, do PS, que refere “foi o único que até agora teve coragem de dizer que é possível ter um Estado social e que o equilíbrio orçamental protege mais o Estado social do que o que temos agora”. Camilo Lourenço sugere medidas a tomar para ultrapassar a situação, alertando para o facto de que “vamos ter de aprender novos hábitos e o povo está a aprender mais depressa que os políticos”, sendo que “o setor privado começou a ajustar em 2009 e o Estado ainda está por ajustar”. Para Camilo Lourenço, “a normalização que os alemães estão a fazer na Europa do Sul é positiva” e que em breve se verão resultados.

PL: A emigração tem vindo a aumentar em Portugal, sendo muitos os jovens portugueses que deixam o país. O que pensa deste movimento emigratório? 

Camilo Lourenço vê a emigração como algo de bom, referindo que “o nosso desafio é que eles regressem ou que fiquem ligados a Portugal”, o que potencia as oportunidades de negócio, mencionando como exemplos disso mesmo a Irlanda, os EUA e Israel, país que considera ser o melhor a fazê-lo. Para Camilo Lourenço os que emigram vão valorizar-se e ter lá fora um emprego e um salário que cá não têm.

PL: Como vê a liderança de António Guterres quando esteve à frente dos destinos do país? Qual o peso da sua responsabilidade sobre o estado atual do país? 

Camilo Lourenço refere que “o problema de Portugal começa com o Prof. Cavaco Silva, que não reformou o Estado”, mas acredita que “o Eng. António Guterres é o líder que mais desperdiçou as oportunidades que teve” e “é um dos maiores responsáveis pelo desastre atual, porque a despesa pública começa a entra em descontrolo no consulado dele”. Camilo fundamenta com números as suas afirmações, referindo que “em 1996, quando chega ao poder, o défice da conta corrente era 2% do PIB, em 2000 já era 10% e mantém-se nos 10% nos dez anos seguintes”. Para este, o mais grave não é apenas este grande crescimento da dívida externa portuguesa mas o facto de não ter aproveitado duas coisas. Uma foi a descida dos juros com a entrada no euro, não tendo “sido capaz de aproveitar isto para sanear o orçamento” e, “pelo contrário, aumentou brutalmente a despesa” pública que “aumentou em média por ano 3,8 mil milhões de euros durante cinco anos, de 1996 a 2001” como “está no relatório do Banco Mundial”. Se em 2014 temos de “cortar 3,9 mil milhões de euros” e “naquele consulado a despesa aumentou 3,8 mil milhões de euros todos os anos, isto dá-nos ideia da dimensão do disparate que foi a governação do Eng. António Guterres”.   A outra foi o recurso a receitas extraordinárias para cobrir buracos orçamentais que “começaram nessa altura” e que, “somando às privatizações, temos mais 20 mil milhões, tudo atirado ao rio”. Camilo questiona “como é que é possível ter uma sucessão de líderes políticos durante 20 anos que desperdiçou tudo aquilo que teve para pôr as contas públicas em ordem” e que “depois de 10 anos de cavaquismo (…) num momento em que precisávamos de um líder novo com uma ideia de esperança, e que teve as condições materiais para mudar estruturalmente a sociedade portuguesa, deixou-se ir na corrente porque não gostava de impopularidade, ele e o Presidente da República da altura, Jorge Sampaio, que se passeia também por aí como se não fosse nada com ele”.

PL: As greves são cada vez mais frequentes, especialmente no setor dos transportes. Mas serão estas parte da solução ou parte do problema? 

Camilo Lourenço refere que “as greves têm que ser usadas com parcimónia, porque se não banaliza-se o conceito”, destacando o “monumental desastre que foi esta política do Arménio Carlos à frente da CGTP” que, tendo convocado tantas greves gerais, “já ninguém o leva a sério”. Segundo Camilo, quando a greve geral “é usada como arma política, que é o que ele está a fazer, porque é a determinação do comité central do PCP, temos a descredibilização total do conceito de greve”. Na sua opinião, “fica claro que os sindicatos estão desligados da realidade portuguesa, que aquilo é um empobrecimento e que cada vez menos pessoas aderem”. Como referiu, “eu se fosse governante, privatizava todos os serviços públicos de transporte” e explica porquê. Acrescenta ainda que “salvo raras exceções, as manifestações são um excerto da sociedade politicamente motivados”. Camilo comenta ainda acontecimentos como a invasão de ministérios, referindo-os como “um sinal do desespero de Arménio Carlos e da outra gente”.

PL: António José Seguro e Pedro Passos Coelho. Quais os pontos fortes e os pontos fracos de cada um? 

Camilo Lourenço sobre António José Seguro acha que este é “sério e honesto e isso são qualidades cada vez mais raras nos políticos em Portugal”. No entanto, entende que este é limitado, por não ser carismático, ter “uma tralha socratista no parlamento que o limita todos os dias” e “pelo pai do partido que acha que ainda não é altura de sair e que vai limitando a afirmação do filho”. Sobre António José Seguro, diz ainda que “provavelmente um dia será Primeiro-ministro”, mas que não sabe “se terá força suficiente para se livrar destes rabos-de-palha”, acrescentando que “um já devia estar em casa e os outros ainda não perceberam que levaram o país à falência”. 

Sobre Pedro Passos Coelho refere que este “foi uma pessoa de quem eu nunca gostei (…), porque me pareceu sempre um carreirista do partido”. “Acho que os políticos profissionais não servem ao país, porque ficam lá eternamente”, refere Camilo. No entanto, acrescenta que “Passos Coelho tem-se revelado uma grande surpresa” que se nota “no facto de ter chegado ao governo e ter começado a dizer que temos de cortar na despesa pública e já passaram dois anos e meio e ainda não parou de o dizer”, atribuindo a “esta teimosia de Passos Coelho” o que “é para mim uma surpresa e que me leva a valorizá-lo enquanto líder”, à qual acrescenta “ter a sensação de que ele não cede perante o populismo, (…) uma coisa espantosa que nunca vi um líder fazer em Portugal”. Para Camilo Lourenço, Portugal não tem “qualquer solução que não seja cortar despesa e reformar o país”, acrescentando que “nós não podemos ter 53 mil milhões de despesa pública em 2000 e depois passar para 89 mil milhões em 2010” o que acha que é “suicídio coletivo”.

PL: Como avalia a capacidade de comunicação de Pedro Passos Coelho? 

Camilo Lourenço avalia a capacidade de comunicação de Pedro Passos Coelho como “um desastre completo (…) e não se rodeia de pessoas capazes de o ajudar nesse aspeto”. Tendo já falado com o líder em questão sobre o que se pronuncia, refere que “há batalhas em que temos mesmo de contar com a ajuda do cidadão comum” e que “era muito importante que certas coisas fossem muito bem explicadas a esse cidadão comum”, explicando a sua posição de seguida, através do exemplo dos estaleiros de Viana do Castelo que entende ser “uma empresa que perde dinheiro em cada barco que faz é para fechar ou então para entregar a alguém”. Explicando a sua posição, refere que “não sei como é que o Governo não consegue explicar à generalidade dos portugueses que isto é um insulto àqueles 3 milhões de portugueses a quem estamos a cortar as pensões e os salários”. Pedro Passos Coelho “tem coisas para mostrar, mas não tem marketing. O que lá estava tinha um marketing fantástico e só apresentava desastres para o país, de tal maneira que levou o país à falência”.

Veja aqui a 1ª parte desta entrevista, dedicada à liderança empresarial

 


Camilo-Lourenco-politicaCamilo Lourenço é jornalista económico e docente universitário. Licenciou-se em Direito Económico pela Faculdade de Direito de Lisboa e passou ainda pela Universidade Católica, Columbia University e University of Michigan, nos EUA, onde estudou Jornalismo Financeiro, de Marketing e Economia. Comentador da RTP, RTP Informação, TVI e da Media Capital Rádios, Camilo Lourenço apresenta ainda, na TVI, o programa «Contas na TV», esclarecendo dúvidas dos telespectadores sobre finanças pessoais. Em 2010 começou a fazer palestras de formação dirigidas a quadros de empresas portuguesas e multinacionais, em áreas como Liderança, Marketing e Gestão. Em 2012 lançou "Basta!" que depressa se tornou um êxito de vendas e um livro de referência, e em 2013 "Saiam da Frente!".