O que as caracteriza?
Como se tornam bem-sucedidas?
Como se mantêm eficazes?
Explicação 1: Um travo de transcendência.
Quando se quer formar uma grande equipa deve começar-se por perguntar qual o propósito da mesma. Uma grande equipa é nutrida de um forte sentido de missão. Sabe porque existe e para quê. Entre as boas equipas analisadas durante as sessões, foi patente, em diversos casos, que elas giravam em torno de algo mais amplo que elas próprias. Num certo sentido, a sua missão transcendia a própria equipa.
Este elemento de transcendência tem sido notado em diversos casos: as boas equipas, aquelas com membros mais dedicados, são equipas cuja contribuição para uma causa maior é partilhada. Quando os membros de uma equipa acreditam na sua missão, tornam-se numa força temível, independentemente do teor da missão. Eis um exemplo extremo: a Força Qods, recentemente acusada pelo Presidente Obama de ter um plano para assassinar o embaixador saudita nos EUA, é uma unidade dos serviços secretos iranianos que responde apenas perante o guia supremo do país. A sua missão final visa restaurar o controlo de Israel pela guarda revolucionária da república islâmica, uma missão plena de significado para os seus membros.
Naturalmente, não se faz aqui a apologia desta agenda revolucionária – apenas se pretende mostrar como o forte significado associado a uma missão pode arregimentar os membros da equipa e levá-los a transcenderem-se. Os indivíduos não são apenas seguidores do líder, mas antes pessoas dedicadas à causa que os une. Representar a nação, mudar a face da música, deixar uma marca nos fãs: eis motivos válidos para ver no trabalho da equipa mais que um emprego.
Explicação 2: Um por todos, todos por um: A superação individual em prol da equipa.
O elemento central a muitas boas equipas é a ligação emocional entre os seus membros.
Mais importante que a superação individual é a superação da equipa como um todo. A capacidade de sacrifício a favor dos outros é, neste sentido, o teste ácido de uma boa equipa. As equipas menos boas sucumbem ao poder dos egos dos seus membros.
Outro risco com que se confrontam as equipas é a formação de subgrupos. As pessoas formam o seu autoconceito por referência às mais pequenas das equipas de que fazem parte, pelo que a formação de subgrupos é uma possibilidade real. Alguma investigação sugere que as pessoas preferem inserir-se em grupos de 2 ou 3 elementos e que raramente decidem juntar-se a equipas com mais de 6 elementos.
Por definição, contudo, algumas equipas têm mais de 6 elementos, pelo que a emergência de subgrupos é quase inevitável. Numa equipa de futebol, os subgrupos podem ser formados por referência a alguma característica da equipa como a nacionalidade ou origem geográfica.
Quando esta fragmentação não é compensada por uma liderança forte que une os subgrupos em torno de um objetivo comum e partilhado, o risco de clivagem torna-se uma ameaça.
A criação de boas equipas é, portanto, uma via estreita. Este caminho faz-se em apreciação da diversidade, mas sempre sob a cautela de que esta pode transformar-se facilmente em disparidade e rivalidade. Neste caso, a coexistência saudável de diferentes subgrupos dá lugar a perceções de injustiça que clivam a equipa entre filhos e enteados. Liderar uma equipa pode, portanto, ser um exercício de equilibrismo alimentado a sensibilidade, a bom senso e a extremo cuidado com a preservação do status relativo dos diferentes subgrupos.
A este propósito, veja-se o cuidado com que Mourinho geriu o alegado conflito entre Casillas e Ronaldo, representantes de dois subgrupos no balneário do Real Madrid.Explicação 3: Uma boa equipa é uma equipa com estilo.
As boas equipas “têm estilo”. As grandes organizações também. O Barcelona de Guardiola tem estilo. As bandas de Miles Davis eram o paradigma do cool. O estilo leva décadas a afinar e passa de líder para líder. Por isso, as boas equipas são, frequentemente, fruto de lideranças inter-geracionais. Cruyff e Guardiola – e, pelo meio, Van Gaal, Robson e Rijkaard – mantiveram um estilo de “futebol total”, um bailado de movimento que torna todos os jogadores responsáveis por fazer a bola progredir para o ataque com base em passes curtos, trocas posicionais e fluidez constante. Resultado: um estilo inconfundível e, possivelmente, a melhor equipa de futebol do mundo.
Nas melhores equipas, cada líder apruma o trabalho de líderes anteriores. Como escrevemos noutro título desta série, é preciso que haja continuidade para haver espaço para uma evolução natural, orgânica, não dramática. Por conseguinte, há razões para supor que as mudanças dramáticas apenas se requerem quando as lideranças são pouco sensíveis à necessidade de equilibrar mudança e continuidade. Simon Rattle, maestro da Filarmónica de Berlim, esclarece o ponto, apresentando a orquestra como “A máquina que Karajan construiu”. Reconhecendo ainda a influência histórica de outro maestro mítico, Wilhelm Furtwangler, Rattle diz ter herdado de ambos a cor e a qualidade do som. Sobre a herança, afirma: “Não se pode mudar, mesmo que se seja suficientemente estúpido para o querer fazer”.
Explicação 4: Quando só lidera um, falta liderança
Como argumentou o treinador Clark da Cal Rubgy, uma equipa mítica no rugby universitário dos EUA, “espera-se que todos os membros de uma equipa saibam atuar como líderes”. O manual Warfighting ensina o mesmo aos Marines. Por outras palavras, as boas equipas são plenas de líderes – e não equipas com um líder e um coletivo de seguidores seguidistas. Acrescentou o coach Clark que todos os membros de uma equipa devem ter acesso à liderança, isto é, devem ter a oportunidade de atuar como líderes. Tal possibilidade constrói-se quando todos atuam de acordo com uma cultura de contribuição e quando os contributos extraordinários de uns estimulam os contributos extraordinários dos outros.
A necessidade de distribuir liderança no desporto não resulta apenas de escolha, mas também de necessidade. O treinador não lidera dentro de campo: precisa de alguém que o faça por ele. Como referiu André Villas- Boas, treinador do Chelsea, “os jogadores são convidados a dar opinião, porque são eles que levam o seu talento para o campo”.
Um episódio relatado numa das sessões ilustra o ponto. O líder de uma prova de estafetas (4 X 400 metros) num torneio triangular depositava fracas esperanças na possibilidade de vitória, dada a superioridade dos adversários. Sendo o último a entrar em prova, era sua expectativa que, quando chegasse a sua vez, a distância seria tão pronunciada que não valeria a pena fazer um esforço completo. Essa possibilidade tinha uma vantagem: permitir-lhe-ia poupar-se para uma prova individual importante que teria lugar uma semana depois. Para sua surpresa, o enorme esforço dos seus colegas permitiu manter as distâncias relativamente reduzidas, o que o obrigou a um esforço suplementar para tentar ganhar a prova – o que acabou por acontecer. O interessante deste episódio é o facto de o líder da equipa ter “desistido” antes mesmo de a prova ter início. O líder foi liderado pelos liderados.
Explicação 5: Falhar é aceitável; não tentar melhorar, não!
“Não interessa se ganhámos, interessa se melhorámos.” Coach Clark, in Schroth
As boas equipas são nutridas de segurança psicológica que leva os seus membros a sentir que … falhar é permitido. Não tentar melhorar é que não é permitido. São equipas movidas pela ideia de progresso, cujos membros sentem que existe espaço para arriscar honestamente e em que o erro é tomado como oportunidade para a aprendizagem. Nelas, impera aquilo que o poeta e filósofo espanhol Unamuno denominou a ânsia de mais: “Quem não sente a ânsia de mais, não chegará a ser nada”.
A obsessão com a melhoria e com o detalhe pode atingir contornos inesperados. Todos têm responsabilidade. Um exemplo: um quadro do Manchester United contou à BusinessWeek que alguém do clube descobriu que o CEO de uma empresa parceira não bebe chá nem café, mas que gosta de Diet Coke. Pois bem – nas reuniões em que ele participa, é-lhe servida uma Diet Coke e não chá ou café. “Tudo o que fazemos”, explicou o referido profissional, “tem que expressar a oferta Premium do Manchester United e isso tem de ser feito de forma que transcenda a indústria, cultura ou país”.
Melhorar sempre, atender ao detalhe, não descurar as evidências: eis três sinais de uma boa equipa.
Explicação 6. As melhores equipas herdam culturas
Organizações como o FC Barcelona ou a Filarmónica de Berlim criam culturas que beneficiam de uma história, uma cultura e uma identidade que se desenvolvem de forma inter-geracional. Há culturas de liderança que passam de geração em geração. A existência de efeitos inter-geracionais ajuda, aliás, a explicar a erupção das chamadas “idades de ouro” no mundo das artes. Há um estilo que é estimulado e cultivado em centros como La Masia ou na Academia do Sporting.
A identidade é cultivada como um símbolo. A estreia de jogadores da cantera barcelonista é um símbolo da era Guardiola – embora a dificuldade de vingar no plantel do clube seja enorme – quase darwiniana, pode dizer-se.
Explicação 7: O problema não é o conflito, mas o que se faz com eleAs boas equipas não são microcosmos celestiais. Por outras palavras, não estão isentas de competição, inveja, traição, etc.
Mas as boas equipas percebem que estas facetas fazem parte da vida e que se deve aprender com elas. Gerem tais dificuldades, em vez de permitirem que estas contaminem o ambiente e o tornem irrespirável. Aceitam que não podem ficar para sempre na fase de “tempestuosidade”. Têm, pois, boas guerras – focadas na substância das coisas. Evitam as guerras más – focadas no outro. Aceitam que mesmo as boas guerras têm efeitos colaterais e que temos de aprender a viver com tensões.
O caso dos U2 é emblemático. Em 1990, em Berlim, a banda esteve à beira do colapso. De um lado Bono e The Edge, a metade liderante, queria abandonar o som clássico dos anos 80.
Do outro, Clayton e Larry Mullen Jr preferiam continuar no trilho anterior. Depois de semanas de tensão e de fraco progresso, as improvisações em torno de uma canção, One, serviram para ultrapassar a indefinição. Feita por todos e do agrado de todos, esta canção mostrou um caminho. Mas inúmeros outros casos de bandas rock ilustram o ponto.
Duplas liderantes como Jagger/Richards nos Rolling Stones, Morrissey/Marr nos Smiths, Lennon/McCartney nos Beatles, não viveram “casamentos” perfeitos. As equipas duradouras aceitam as rivalidades como parte do processo e aprendem a viver com elas. Aprendem quais os papéis que melhor lhes cabem. Como explicou Zé Pedro, dos Xutos e Pontapés, “Sou melhor braço-direito do que líder”.
Explicação 8: As boas equipas têm boas regras
António Pinto Barbosa explicou que uma equipa sem regras resvala para a cacofonia coletiva. Diferentemente, as boas equipas funcionam com base em regras estabelecidas mutuamente e aceites. Nas equipas militares, a confiança na chefia, a lealdade e a obediência têm de ser incondicionais. Mas as boas regras e as boas hierarquias não se restringem ao domínio castrense: “A orquestra é uma hierarquia quase militar e eu respeito isso escrupulosamente”, explicou o maestro Rui Massena, da Orquestra Clássica da Madeira. O mesmo líder musical explicou que procura combinar regras fortíssimas com liberdade – uma combinação paradoxal em que ressoa a noção de estrutura mínima.
As regras básicas, ground rules, definem o “solo” sobre o qual se constrói o edifício do trabalho em grupo. Estabelecem o modo como a equipa lida com a diferença, como se estrutura, como aceita ser liderada. Sem regras, uma equipa consome-se com o processo interno, perdendo foco e energia para aquilo que explica a sua existência: a tarefa.
Miguel Pina e Cunha é professor catedrático na Nova School of Business and Economics.
Nadim Habib é CEO da Nova Executivos, Nova School of Business and Economics.
Arménio Rego é professor na Universidade de Aveiro.
Pedro L. Almeida é professor no ISPA-IU e psicólogo no SL Benfica.
António Abrantes é COO na Nova School of Business and Economics.
Miguel Faro Viana é assessor da Direção de Segurança da REFER.
Patrícia Palma é sócia-gerente da Planet People.
Paulo Lourenço Afonso é capitão-de-fragata da Marinha Portuguesa e chefe do departamento de formação em comportamento organizacional da Escola de Fuzileiros.