Aprender a ser um melhor líder com outra coisa qualquer

Aprender a ser um melhor líder com outra coisa qualquer
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mérito das boas equipas é tanto maior quanto o seu trabalho implica a capacidade de superação da competência individual e a demonstração de competência em termos de critérios complexos como interdependência, partilha e complementaridade.

"Pode aprender-se a ser um melhor líder com toda a gente. Pode-se ir estudar uma orquestra. Pode-se estudar uma equipa de basquetebol, um negócio, o que quer que seja.” - Mike Kryzewski, coach da equipa olímpica de basquetebol dos EUA.

As equipas são um ingrediente crítico para a competitividade de muitas organizações. Boas equipas ajudam a:
  1. Alcançar resultados críticos;
  2. Reforçar o capital social;
  3. Criar aprendizagem valiosa para a organização.


As boas equipas são, portanto, valiosas por facilitarem o alcance desta diversidade de critérios organizacionais relevantes.

O mérito das boas equipas é tanto maior quanto o seu trabalho implica a capacidade de superação da competência individual e a demonstração de competência em termos de critérios complexos como interdependência, partilha e complementaridade. Equipas competentes, por outras palavras, são mais que uma coleção de indivíduos competentes.

Para melhor compreender os segredos das boas equipas, seguimos os conselhos de Karl Weick (se quer aprender sobre organizações estude outra coisa qualquer) e de John Kay (alcançamos melhor um objetivo se o abordarmos obliquamente).

Assim, em vez de estudar o que a literatura nos diz sobre equipas nas organizações, decidimos estudar como funcionam certas equipas em domínios que não as organizações empresariais. 

Escolhemos três domínios: o desporto, a música (em particular o jazz) e as forças de elite. 

Para cada domínio, convidámos especialistas a juntarem-se a nós. Procuremos então, caro leitor, descodificar os segredos das boas equipas começando pelo desporto. 

Futebol

EQUIPAS DESPORTIVAS: 1, X, 2

"Toda a dinâmica da equipa [no desporto] é semelhante à dos negócios. A liderança é algo que se conquista.” - James McNerney, ex-CEO da Boeing 

O desporto oferece um terreno propício para o estudo do funcionamento das equipas e das organizações, por várias razões.

Primeira: muitos desportos são desportos de equipa. Logo, exigem capacidades de funcionamento em equipa. 

Segunda: as equipas desportivas expõem, de forma rápida, processos que noutros contextos são mais difíceis de observar. Por exemplo, o papel do líder emerge mais facilmente como bode expiatório. O processo poderá ser semelhante no desporto e nas empresas. Mas, no desporto, ocorre em regime de alta velocidade: uma sequência de derrotas num curto espaço de tempo pode ser suficiente para desqualificar um treinador. Diferentemente, nas empresas, podem ser necessários vários trimestres – e, na vida política, vários anos ou ciclos eleitorais.

Terceira: no desporto, os membros da equipa recebem feedback de formas explícitas e regulares. Não precisam de esperar por avaliações de desempenho anuais. As métricas de desempenho são muito simples e claras: 1, X, 2. Isso clarifica relações de causa-efeito [6].

Quarta: no desporto, a componente emocional da atividade é, com frequência, saliente. O desporto é uma fonte de identificação, de catarse, de emoção. Um adepto desportivo, tal como o membro de uma equipa, pode expressar emoções de forma extrema: gritar, dançar, praguejar, gesticular. 

Quinta: no desporto, deseja-se que os participantes “vistam a camisola”, isto é, que se identifiquem incondicionalmente com a organização.

A discussão de equipas desportivas escolhidas pelos participantes (FC Barcelona; o Sporting dos Cinco Violinos; Chicago Bulls de Phil Jackson; seleção portuguesa de 2004; All Blacks) permitiu identificar algumas linhas de análise:

• Algumas destas equipas têm ligações fortes com alguma entidade externa que as enquadra e lhes dá sentido. Esta ligação era visível nas bandeiras espalhadas por Portugal durante o Euro 2004, ou na identidade do Barcelona como “más que un club” – isto é, mais que um clube, uma bandeira da Catalunha. Os Springboks de 1995, retratados no filme Invictus, foram o símbolo emblemático de uma nova República da África do Sul.

• As melhores equipas têm um estilo, uma idiossincrasia – quer se trate das harmonias do quinteto dos violinos sportinguistas, quer do tiki taka, o futebol rendilhado do Barcelona de Pep Guardiola.

• As boas equipas têm escola. O futebol total do Barcelona vem do tempo de Cruyff, o lendário ex-jogador e treinador holandês do emblema catalão. O estilo é cultivado na escola de La Masia. Jesus Correia, um dos violinos sportinguistas, e avô de um dos participantes do exercício que originou este texto, terá sido, porventura, o primeiro de uma escola de grandes avançados extremos – uma linhagem que continuou com jogadores como Futre, Simão, Figo, Quaresma e Cristiano Ronaldo.

• As equipas de sucesso contêm, paradoxalmente, desejo de mudança e vontade de continuidade. Os Chicago Bulls de Phil Jackson tiveram duas séries vitoriosas. Dois jogadores estiveram em ambas as séries, assegurando a evolução na continuidade.

• Nas boas equipas, coexistem vários capitães. Mano Menezes, treinador da seleção brasileira de futebol, explicou o ponto: “um grupo precisa de muitos líderes. Envergar a braçadeira é meramente simbólico, no sentido em que a liderança deve ser exercida em campo por vários jogadores.

Aqueles que têm uma trajetória mais importante pela sua experiência, pelo seu conhecimento dos jogadores do grupo, pela sua técnica – porque a liderança também é técnica em determinados momentos – assumirão esse papel”.

As observações anteriores suscitam algumas questões relevantes para a gestão de equipas nas organizações:

• As nossas equipas sentem que participam em algo maior do que elas próprias? Têm sentido de missão? Ou são simplesmente máquinas de fazer dinheiro para os acionistas, sendo os “jogadores” e os “adeptos” meros instrumentos dessa maquinaria?

• As nossas equipas têm um estilo? O que é o estilo de uma boa equipa? Por outras palavras, temos equipas com marca, da mesma forma que algumas organizações têm líderes com marca? As nossas equipas têm uma identidade própria na qual os “jogadores” e os “adeptos” gostem de se rever?

• Temos escola de formação de equipas? Avaliamos o desempenho de equipas – ou apenas de indivíduos? A equipa fomenta, em instinto quase genético, a aprendizagem permanente, a partilha de conhecimentos e experiência?

• Asseguramos a necessária continuidade? Valorizamos a mudança? Ou deixamos que as equipas cristalizem numa paz podre que não produz resultados? As equipas recebem feedback rápido.

MusicaEQUIPAS NA MÚSICA: A DIFERENÇA QUE FAZ A DIFERENÇA
A música tem sido uma fonte de inspiração para a compreensão do funcionamento organizacional: “O funcionamento de uma big band ou de uma small band levanta desafios de participação, interatividade e coordenação que surgem tipicamente no desenvolvimento regular de uma economia de mercado” – explicou António Pinto Barbosa, professor de economia na Nova SBE e músico dos Lisbon Swingers. 

Em alguns casos, a música tem sido usada como metáfora, quer se trate da visão da organização como orquestra sinfónica ou como combo de jazz , quer da análise do estilo de atuação de líderes como Miles Davis ou como o maestro Claudio Abbado – descritos, respetivamente, como catalisador de inovações e facilitador supremo.

A liderança musical é uma cornucópia para o estudo da liderança organizacional. Como explicou o músico Tiago Bettencourt, dos Toranja, “tem de haver sempre um líder numa banda para um concerto ter ritmo e coerência”. Por outro lado, com esta banda temos sempre os nossos momentos de improvisação, onde não há propriamente nenhum líder e confiamos no instinto uns dos outros para levar a música a sítios que não planeámos”.

As observações anteriores e a discussão de bandas escolhidas pelos participantes (Smiths; Beatles; Queen; Xutos e Pontapés; U2) permitiram identificar algumas linhas de análise relevantes para a gestão de equipas nas organizações:

• A liderança musical é um processo partilhado, coletivo. Sem essa liderança coletiva, não há uma banda – mas um bando.

• A gestão pode inspirar-se no jazz para aprender sobre a importância de heurísticas e estruturas mínimas.

• A individualidade e a diferença são uma fonte de criatividade. Ambas devem ser respeitadas. Uma boa banda é um veículo – não um obstáculo – para a expressão individual.

• Muito trabalho de equipa é preparado nos “bastidores”. Um bom músico toca com os outros, mas também pratica individualmente – para se destacar a si próprio, mas também para destacar a banda.

• Numa boa equipa, todos fazem solos e todos apoiam, criam contexto.

• Uma boa equipa é aquela cujos membros não param de se escutar mutuamente.

• Uma boa equipa/banda é aquela que arrisca e busca a diferença. A diferença faz a diferença.

• Alguns grupos swingam; outros não. 

FORÇAS DE ELITE: DOS FRACOS NÃO REZA A HISTÓRIA

“Nos US Marines, cada membro é treinado para liderar.” - Jon Katzenbach

Jon Katzenbach, autor de The Wisdom of Teams: Creating the High-Performance Organization, considera que as unidades militares de elite são excelentes lugares para encontrar verdadeiras equipas. A existência de uma hierarquia clara não é um obstáculo à emergência de líderes quando eles são necessários para tarefas específicas. 

A decisão de estudar as equipas em contexto militar baseou-se numa observação simples, aliás já discutida pela literatura das organizações: as Forças Armadas são vulgarmente apresentadas como organizações hierárquicas, mecanicistas e rígidas, mas esta metáfora nem sempre é uma descrição justa da realidade.

Certas unidades das Forças Armadas e de segurança operam em teatros de enorme risco e imprevisibilidade, circunstâncias que invalidam a abordagem mecanicista e requerem organicismo, improvisação e “desrespeito” pela hierarquia. A necessidade de os líderes militares desenvolverem competências relacionais é equivalente (ou até superior) à necessária noutras organizações. A escolha óbvia para aprender com equipas militares que não operam de acordo com a metáfora tradicional recai sobre forças ditas especiais. Também estas estruturas requerem mais, e não menos, empoderamento. Ou seja, as equipas militares podem ser uma fonte de aprendizagem para outros contextos organizacionais.

Estas forças operam nos modernos teatros de guerra, de acordo com um conjunto de princípios apresentados no manual doutrinário do corpo de Marines dos EUA, Warfighting. A aplicação desses princípios às empresas foi discutida por Clemons e Santamaria. Um dos elementos mais valiosos na transposição do caso militar para o ambiente dos negócios é o facto de se tratarem frequentemente de ambientes caóticos e altamente voláteis – ambíguos, embora com enorme abundância informacional, fluidos e incontroláveis. As manobras militares oferecem pois, diversos princípios potencialmente válidos para a gestão de empresas:

• Aponte às vulnerabilidades críticas do inimigo, identifique o respetivo calcanhar de Aquiles e centre aí o seu esforço, sem demoras.

• Seja arrojado. Pense alto. Não produza a autolimitação da equipa.

• Surpreenda. Surpreenda o alvo, mas esteja preparado para ser surpreendido. Ou seja, arranje forma de não ficar surpreendido com surpresas.

• Concentre. Concentre o seu poder de fogo no que é importante. Não disperse recursos de forma desnecessária.

• Descentralize decisões.

• Mostre rapidez. Na guerra, como no negócio, o tempo é uma arma poderosa. Dos lentos não reza a História.

• Combine armas. Não pense no seu arsenal de forma desgarrada. Veja como combinar poder de fogo de forma inovadora.

As observações anteriores e a discussão de forças escolhidas pelos participantes (BOPE; GOE; Hashishin; Guerreiros Jaguar; Legião Estrangeira) permitiram identificar algumas linhas de análise relevantes para a gestão de equipas nas organizações:

• A sensação de fazer parte de um corpo de elite ajuda a cimentar orgulho na equipa e na organização.

• Um treino duro gera espírito de corpo. Não é com “panos quentes” que se adquire resiliência coletiva. É esta que pode permitir à equipa e à organização transformar o veneno em remédio.

• Um sentimento de pertença a algo mais vasto infunde significado (os Guerreiros Jaguar do Império Asteca eram ungidos pelo chefe militar supremo Tlatoani).

• O desejo de superação é necessário. No caso do BOPE, o “cemitério dos aspiras” simboliza a necessidade de os que falharam a entrada naquela “tropa de elite” de voltarem a tentar.

• A confiança nos camaradas é crítica: o treino de tiro face-a-face no GOE é tanto um exercício de perícia como de confiança.


Miguel Pina e Cunha é professor catedrático na Nova School of Business and Economics.

Nadim Habib é CEO da Nova Executivos, Nova School of Business and Economics.

Arménio Rego é professor na Universidade de Aveiro.

Pedro L. Almeida é professor no ISPA-IU e psicólogo no SL Benfica.

António Abrantes é COO na Nova School of Business and Economics.

Miguel Faro Viana é assessor da Direção de Segurança da REFER.

Patrícia Palma é sócia-gerente da Planet People.

Paulo Lourenço Afonso é capitão-de-fragata da Marinha Portuguesa e chefe do departamento de formação em comportamento organizacional da Escola de Fuzileiros.