As três maneiras de ver uma crise

As três maneiras de ver uma crise
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As crises são recheadas de dificuldades, mas também de oportunidades. Contêm as sementes da destruição e da dor, mas também da mudança e da regeneração.

De que falamos quando falamos de crise?

As crises podem ser percecionadas de formas diferenciadas por diferentes observadores e atores organizacionais.

Há, pelo menos, três maneiras de ver uma crise: como processo purgativo, como oportunidade de melhoria regenerativa, e como momento criativo/evolutivo. O argumento é simples: diferentes crises objetivas podem ser encaradas subjetivamente de modos muito diferentes.

-A crise como processo purgativo

cordaAs crises podem ser entendidas como momentos de reajuste perante o desequilíbrio gerado. A ideia da crise como purga sistémica tem vários tipos de enquadramentos conceptuais:
  • A crise resulta de um processo que tem lugar ao nível macro.
  • Esse processo é suficientemente poderoso para não poder ser contido pelos agentes empresariais, envolvendo potencialmente governos e instituições internacionais.
  • O processo funciona como uma purga, varrendo do sistema os agentes mais fracos e menos adaptados, numa lógica de tipo darwiniano.


Neste contexto, os desafios que aos líderes empresariais se colocam consistem, em forte medida, em criar condições de sobrevivência.

As organizações reagem ao desafio de diversas formas, nomeadamente: reduzindo estruturas e custos, aumentando a eficiência, e cerrando os dentes, isto é, mantendo a organização focada naquilo que é essencial. A palavra de ordem, nesta perspetiva, é “aguentar”. E a motivação subjacente é simples: aqueles que aguentarem o embate, em princípio os mais ajustados, estarão melhor preparados para o período pós-crise.

- A crise como oportunidade de melhoria

Uma segunda forma de entender a crise consiste em tomá-la como uma oportunidade de mudança e melhoria. Nos momentos de crise, são oferecidas aos líderes algumas condições críticas para o sucesso da mudança. 

Para onde podem os líderes olhar, para identificarem oportunidades de melhoria na organização?

Países competitivos dependem criticamente da qualidade da gestão das suas empresas. Empresas geridas de forma pouco competente resultam em nações menos capazes de usar bem os seus recursos – incluindo o seu capital humano.

Os países com gestão de pior qualidade são também os menos competitivos e mais afetados pela crise. Nesses países, valoriza-se menos o mérito, tolera-se mais o desempenho medíocre e recorre-se mais frequentemente ao nepotismo/amiguismo. A soma de numerosas más práticas locais resulta em efeitos perversos sobre todo o país.

É por isso que um momento de crise pode ser um pretexto para melhorar a qualidade da gestão, introduzindo soluções que, noutros momentos, poderiam ser menos bem acolhidas.

A equipa de investigação de Bloom identificou dezoito práticas de gestão críticas cuja implementação pode ser desejável. Essas práticas espraiam-se por três domínios: monitorização, alvos e incentivos.
  • As práticas de monitorização dizem respeito ao acompanhamento pela organização, das atividades que nela têm lugar. Existe informação sobre os processos? É usada para efeitos de melhoria?
  • As práticas relativas à definição dos alvos referem-se ao grau em que, na organização, existem objetivos apropriados à obtenção dos resultados certos.
  •  O sistema de gestão dos incentivos refere-se à promoção de práticas capazes de reconhecer e recompensar os melhores colaboradores e de afastar ou melhorar os menos competentes.
  • Tendo em conta a delicadeza de muitos destes sistemas de gestão e a possibilidade de gerarem fortes resistências, a existência de uma crise oferece uma oportunidade de descongelamento da organização que pode ajudar a ultrapassar más práticas de gestão, institucionalizadas/legitimadas pelo uso continuado.


Lição: Porque não usar a crise para nos consciencializarmos da necessidade de implementar práticas que ajudem as organizações e o país a ultrapassarem … a crise?

- A crise como desafio evolutivo

Uma terceira forma de entender a crise e as suas implicações consiste em tomá-la como uma alteração profunda do contexto de mercado. Se o mercado muda, mudam as necessidades que os consumidores colocam. 

As organizações mais perspicazes dedicam-se a analisar as motivações dos seus clientes atuais ou potenciais – e procuram ajustar-se. Em vez de fazerem mais do mesmo com menos recursos (o que, em muitos casos, poderá ser uma necessidade), procuram responder a novos hábitos e necessidades. Explorar novos nichos dentro dos mercados atuais, responder a novos hábitos, reinventar alguns negócios: eis um quadro de possibilidades. Neste caso, a organização reinventa a sua relação com o exterior. Aposta em inovação. 

business-imageUma terceira forma de entender a crise e as suas implicações consiste em tomá-la como uma alteração profunda do contexto de mercado. Se o mercado muda, mudam as necessidades que os consumidores colocam. 

As organizações mais perspicazes dedicam-se a analisar as motivações dos seus clientes atuais ou potenciais – e procuram ajustar-se. Em vez de fazerem mais do mesmo com menos recursos (o que, em muitos casos, poderá ser uma necessidade), procuram responder a novos hábitos e necessidades. Explorar novos nichos dentro dos mercados atuais, responder a novos hábitos, reinventar alguns negócios: eis um quadro de possibilidades. Neste caso, a organização reinventa a sua relação com o exterior. Aposta em inovação. 

Vê-se livre de velhos e insustentáveis hábitos. Eis alguns exemplos:
  • O preço recorde dos combustíveis tem levado os hipermercados a apostarem neste negócio de uma forma consistente. Os postos de abastecimento deste setor da distribuição, em conjunto, já alcançaram uma quota de 31,4%, destronando a Galp na liderança do mercado das gasolineiras.
  • A Alma Design, uma empresa de design de produto, apostou na diversificação quando a sua base de clientes tradicional começou a diminuir em função da crise. Uma das suas apostas centrou-se na aeronáutica. Em 2012, a empresa foi galardoada com o Crystal Cabin Award, um importante reconhecimento. José Rui Marcelino, fundador e CEO, explica que a estagnação do mercado obriga a pro-atividade e a “escavar” o mercado, em busca de oportunidades adormecidas ou desconhecidas (comunicação pessoal, Abril de 2012).


Lição: Prepare o futuro. Algumas inovações demoram anos a frutificar. Não espere resultados imediatos.

As três perspetivas (quadro 1) mostram diferentes formas, não necessariamente incompatíveis, de responder aos estrangulamentos criados pelas crises económicas e pelos momentos de estagnação.

Quadro 1: Três perspetivas perante as crises

Quadro1CriseNOVA


MiguelPCunhaMiguel Pina e Cunha é professor catedrático na Nova School of Business and Economics de Lisboa e da Angola Business School, desenpenhando funções de diretor académico do The Lisbon MBA. Doutorado em Gestão pela Universidade de Tilburg e agregado em Teoria das Organizações pela Universidade Nova de Lisboa, tem vindo a investigar, entre outros temas, a relação entre as organizações e a sociedade. Recebeu o Prémio RH 2007 na categoria investigação, em conjunto com Arménio Rego.

Armenio RegoArménio Rego é doutorado e agregado em Gestão, lecionando na Universidade de Aveiro. É autor e coautor de mais de três dezenas de livros e tem desenvolvido projetos de consultadoria em liderança e gestão de pessoas e realizado dezenas de conferências, seminários, wokshops e eventos de formação de executivos. Foi agraciado com diversos prémios, em Portugal e no estrangeiro.

Antonio AbrantesAntónio Abrantes é General Manager na Angola Business School, tendo sido Chief Operating Officer da Nova School of Business & Economics - Executive Education e General Manager da Impresa.DGSM.