Cultura de organização – aprendizagens no ecossistema fintech

Cultura de organização – aprendizagens no ecossistema fintech
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A construção de uma cultura organizativa é um trabalho contínuo, mas as mudanças recentes no mundo e a crescente pressão na retenção de talento obrigam-nos a refletir sobre este tema e a tornar claras as práticas, os valores e condutas que queremos promover dentro da equipa.

António Ferrão

Quando aceitei o desafio de me juntar à Portugal Fintech vinha também incluído o desafio de compreender e fortalecer uma cultura já criada de trabalho e de organização. Atualmente, a cultura da Portugal Fintech é um elemento central da orgânica da associação e tem um impacto fundamental no nosso desempenho e satisfação individual. Neste artigo tento resumir a nossa visão de cultura e algumas aprendizagens realizadas.

A Portugal Fintech é uma associação não lucrativa focada em apoiar o ecossistema de start-ups fintech português, isto é, start-ups que aplicam tecnologia a serviços financeiros. A organização é liderada por uma direção não executiva composta pelos fundadores e por uma equipa a tempo inteiro que é complementada por uma rede de voluntários com disponibilidades variáveis. Esta diversidade e dispersão colocou desde o dia zero uma pressão para criar uma cultura de trabalho que garanta coesão e alinhamento a toda a equipa.

Este artigo pretende organizar e sumarizar alguns princípios que a nossa equipa foi absorvendo de diferentes experiências e que resultam no que se pode descrever como a nossa cultura organizacional. Uma cultura que permite à Portugal Fintech crescer ano após ano e apoiar de forma direta o ecossistema fintech nacional e o internacional.

Em primeiro lugar, a organização está assente numa elevada concentração de talento e em feedback contínuo. O livro sobre a cultura da Netflix, “No Rules Rules”, de Reed Hastings e Erin Meyer, descreve como uma organização deve eliminar regras e promover a autonomia e o “empowerment” individual. A visão é que a autonomia equilibrada com alinhamento permite ser ágil e crescer mais rápido, visto que as equipas têm espaço para decidir. Porém, para a Portugal Fintech, existem duas dimensões neste livro que são ofuscadas pelo foco na liberdade e na autonomia. O autor é claro que esta liberdade só pode existir se se verificarem dois pressupostos: concentração de talento enquanto premissa-base para uma cultura de sucesso e a proliferação de feedback contínuo, construtivo e acionável. A qualidade do talento parece ser um tema óbvio, porém o risco de descorarmos este princípio é letal, e a cultura não sobrevive à existência de mau talento. Pelo contrário, o bom talento carece de estima, reconhecimento e progressão, pelo que o feedback tem um papel fundamental no ciclo virtuoso do crescimento.

Em segundo plano, no que toca à organização de trabalho, procuramos absorver princípios do livro “Lean Startup”, de Eric Ries, para desenvolver uma cultura de construir, medir, aprender, assente nas formas de desenvolver produto utilizadas por start-ups em todo o mundo. Procuramos testar de forma controlada os nossos projetos (pouco, pequeno e possível) para validar o seu impacto e adesão. Crescemos com base a “bootstrap”, ou seja, uma pressão elevada nos recursos disponíveis comparando com a ambição do trabalho, mas essa realidade “aguça o engenho” e ensinou-nos a ser ágeis. Esta exigência também nos obriga a sermos “accountable” e a procurar formas de quantificar esse mesmo impacto.

Por fim, importa destacar as aprendizagens que absorvemos diretamente das start-ups que apoiamos, e que em parte fazem parte do nosso ADN. Ao contrário de outros setores de empreendedorismo, tipicamente as start-ups Fitech são fundadas por profissionais que adquiriram uma extensa experiência no sector financeiro e que, por esse motivo, estão habituados a processos de decisão estruturados, racionais e que os afastem de um “confirmation bias”. Essa cultura é depois transferida para o universo dinâmico, imprevisível e informal do empreendedorismo. O resultado: organizações altamente ágeis e autónomas, mas alinhadas de forma frequente através de processos de decisão rápidos e imparciais.

Também nós absorvemos essas práticas, criando uma cultura de autonomia, capacidade de decisão individual, mas também elevada entreajuda. De forma prática, procuramos incutir na equipa um balanço entre a fundamentação das nossas decisões e a necessidade de decidir rápido em contextos de incerteza.

Assim, é possível resumir sete princípios-base que ao dia de hoje guiam a organização, mas aos quais poderíamos adicionar outros igualmente importantes – concentração de talento, feedback contínuo, tomar risco de forma controlada, quantificar o nosso impacto, autonomia, elevada capacidade de decisão, entreajuda.

Claro está, existe ainda caminho a fazer para tornar mais clara e evidente a nossa cultura, tanto para a equipa como para os nossos clientes, parceiros, beneficiários e sociedade em geral. A cultura enfrenta vários desafios na sua operacionalização diária, mas consideramos fundamental ter um norte para nos guiar neste processo.

06-02-2023

Portal da Liderança


AntonioFerrao

António Ferrão é board member na Portugal Fintech, a principal associação portuguesa não lucrativa para o desenvolvimento do ecossistema fintech e entidade gestora da Fintech House  hub físico em Lisboa que alberga uma comunidade de 90 start-ups fintech. É também managing director e fundador da Fintech Solutions, consultora de inovação para a criação de novos serviços financeiros digitais em colaboração com o ecossistema de start-ups.
Anteriormente foi project manager em diferentes geografias, com foco em estratégia e operações, tendo desenvolvido projetos em África e na Europa, sobretudo nas áreas de transportes, setor público e utilities.
Licenciado pela Nova School of Business and Economics (Nova SBE), tem um mestrado em Gestão Estratégica na Rotterdam School of Management.

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