É a guerra, estúpido!

É a guerra, estúpido!

O principal problema do Brexit, e de um eventual contágio ao resto da Europa, não é apenas económico. É político. E mede-se pelo número de mortos que novos conflitos podem originar.

Camilo Lourenço

O Brexit continua a fazer as delícias dos órgãos de comunicação social, entre nós e lá fora (Reino Unido incluído). Que foi um erro, que é o início da desagregação da Europa, que o impacto na economia (crescimento económico) vai ser terrível, que o desemprego vai aumentar. 

Todos estes argumentos parecem-me corretos. Exceto o da desagregação da Europa, que me parece um manifesto exagero (que o tempo se encarregará de mostrar se está certo). Já lá vamos… Comecemos pelo impacto na economia, que é indiscutível. Tanto no Reino Unido como no resto da Europa. Quer se goste quer não, os últimos 43 anos de presença do Reino Unido na União Europeia proporcionaram uma integração das duas economias a um nível sem precedentes. E, à medida que se aprofundou a integração económica, particularmente a partir do Ato Único Europeu, assistiu-se a um acentuado enriquecimento do outro lado do canal da Mancha.

Também não é difícil perspetivar que o Brexit vai trazer um agravamento do desemprego, cuja dimensão se revela ainda difícil de prever. Desde logo porque a economia inglesa vai crescer menos do que estava projetado. A questão é saber qual a dimensão do aumento do desemprego, embora se possa dizer que o impacto será profundo nos países que mais comércio realizam com o Reino Unido. Como a República da Irlanda (embora não seja de desvalorizar o impacto em algumas indústrias da Alemanha e de Portugal).

Voltemos ao tema da desagregação europeia, que supostamente conhecerá uma aceleração devido à saída do Reino Unido. Não estou muito convencido disso. O esforço de unificação europeia nunca teve o Reino Unido no seu centro. Foi obra de três potências europeias (Alemanha, França e Itália) e de três pequenos países que foram sempre esmagados nos grandes conflitos na Europa. A Inglaterra recusou-se a participar na criação da CEE desde o seu início. E quando entrou, em 1973, fê-lo com um país partido ao meio. Um cisma que nem 43 anos de integração europeia resolveu, como se viu em junho… 

Anunciar a desagregação da Europa porque o Reino Unido decidiu sair é desvalorizar a vontade dos países fundadores. Com destaque para a Alemanha, que percebeu no final da II Guerra Mundial que não pode decidir sozinha o seu destino. Se olharmos para as intervenções de todos os políticos alemães do pós-guerra, há um ponto comum: a vontade inequívoca de federalizar a Europa. Os alemães perceberam cedo que, se a Europa continuasse dividida, mais tarde ou mais cedo haveria uma nova guerra. De consequências ainda mais graves que as duas anteriores.

É claro que não se pode excluir os movimentos extremistas que, em França, e cada vez mais na Holanda e Itália, começam a contestar a União Europeia. Até porque têm ganho muito espaço nos respetivos parlamentos nos últimos cinco anos. Pese embora os riscos que representam, estou convencido de que a vontade de decidir o futuro partilhando decisões será superior à pretensão do “go it alone”.

É a este ponto que nós, na comunicação social, não temos dedicado muita atenção. É um erro. Como os povos têm a memória curta, não nos podemos cansar de lembrar que o principal problema do Brexit, e de um eventual contágio ao resto da Europa, não é apenas económico. É político. E mede-se pelo número de mortos que novos conflitos podem originar. 

22-07-2016

CamiloOPCamilo Lourenço, licenciado em Direito Económico pela Universidade de Lisboa, passou pela Universidade Católica Portuguesa, bem como pela Universidade de Columbia, em Nova Iorque, e também pela americana Universidade de Michigan, onde fez uma especialização em jornalismo financeiro. Comentador de assuntos económicos e financeiros em vários canais de televisão generalista, é ainda docente universitário. Em 2010, por solicitação de várias entidades (portuguesas e multinacionais), começou a realizar palestras de formação dirigidas aos quadros médios e superiores, em áreas como liderança, marketing e gestão. Em 2007 estreou-se na escrita. No seu livro mais recente, “Fartos de Ser Pobres”, volta "a pôr o dedo na ferida", analisando os resultados eleitorais, os vários cenários políticos e os novos desafios para a economia.