É a gestão de equipas, senhores. É a gestão de equipas!

É a gestão de equipas, senhores. É a gestão de equipas!

Fernando Santos não é um bom comunicador. Mas tem sabido gerir a seleção com uma mestria impressionante. É este o mérito do CEO da organização, neste caso, o treinador.

Camilo Lourenço

Alerta: este texto foi escrito antes do Portugal – País de Gales, o jogo das meias-finais do Euro 2016. Intencionalmente. E apenas com um objetivo: pensar estruturalmente. Eu explico: a análise que fazemos das organizações peca muitas vezes por ser conjuntural. Qualquer percalço serve para desviar as nossas atenções do essencial. E como frequentemente nos perdemos com os percalços, deixamos de lado o essencial. E o essencial é a “estrutura”, a visão que temos para um projeto. Ou seja, o longo prazo.

Vamos então ao Euro. Qual a conclusão que podemos fazer da participação portuguesa na competição até agora (repito, até agora)? Um misto de desilusão (a seleção não joga bem e até agora não ganhou um jogo no tempo regulamentar) e de felicidade (por termos chegado às meias-finais).

Pergunta: é possível atingir os objetivos desta maneira? Sim. Se, por exemplo, Portugal chegar à final a jogar desta forma as críticas internacionais ao nosso modelo de jogo vão disparar. Mas, do ponto de vista da organização (Portugal) não vão faltar razões para festejar.

Mas o que é interessante neste caso é levar a análise mais longe: como se consegue manter a estabilidade de um grupo com egos diferentes (alguns enormes…) sem algo que perturbe a sua atenção e os distraia do objetivo: chegar à final e, se possível, ganhá-la.

É este o mérito do CEO da organização, neste caso, o treinador. Fernando Santos não é um bom comunicador. Mas tem sabido gerir aquele grupo com uma mestria impressionante: Ronaldo não marca golos e exaspera-se em campo? O CEO, no fim do jogo, lembra que o seu contributo, tático (que o obriga a sacrificar-se em prol do grupo), é fundamental. Ricardo Carvalho (cuja cabecinha não gere bem as idas para o banco) é substituído? O CEO elogia as suas qualidades, algo que se apercebeu quando trabalhou com ele ainda júnior.

Os emigrantes começam a queixar-se do distanciamento dos jogadores face aos adeptos (sobretudo emigrantes) que os querem ver nos tempos livres da seleção? O staff mobiliza-se e facilita o “one to one” entre os protagonistas da seleção e o povo anónimo. Que chora, tira selfies, pede autógrafos na roupa, no corpo…

Quem lê as minhas crónicas no Portal da Liderança sabe que gosto de usar o futebol para falar de gestão. Já devem ter percebido a razão: uma equipa de futebol é o maior desafio à gestão. Os treinadores enfrentam desafios muito mais difíceis que qualquer CEO de uma empresa da Fortune 500. Quanto menos não seja porque as câmaras de TV espiolham todos os movimentos em campo: veja-se a reportagem da cadeia “Cuatro”, espanhola, sobre os momentos que antecederam a marcação de penalties no jogo Portugal-Polónia. A cena mostra como é impossível isolar o grupo do exterior: e se João Moutinho tivesse falhado o penalty que Ronaldo o “obrigou” a marcar? Do exterior, as pessoas aceitariam o “João, anda bater. Tu bates bem. Se perdermos, que se f…!”, com que Ronaldo encorajou Moutinho? 

São momentos destes, duros, difíceis, imediatos, que um CEO tem de gerir. Numa empresa cotada, estas coisas ficam entre quatro paredes e, quando saem (salvo raras exceções), é muito mais tarde. Por vezes contadas em livros de memórias. Numa equipa, elas saltam imediatamente para a esfera pública.

Porque pedi ao Portal da Liderança para publicar este artigo antes do jogo? Para terminar com o argumento com que comecei: aconteça o que acontecer na meia-final, não podemos perder tempo com percalços (se os houver). A análise da prestação do CEO não depende do jogo de amanhã. A sua visão, a sua estratégia, para a empresa (seleção de Portugal) está certa: o Fernando provou que é um bom gestor de grupo.

E isso faz a diferença. 

05-07-2016

CamiloOPCamilo Lourenço, licenciado em Direito Económico pela Universidade de Lisboa, passou pela Universidade Católica Portuguesa, bem como pela Universidade de Columbia, em Nova Iorque, e também pela americana Universidade de Michigan, onde fez uma especialização em jornalismo financeiro. Comentador de assuntos económicos e financeiros em vários canais de televisão generalista, é ainda docente universitário. Em 2010, por solicitação de várias entidades (portuguesas e multinacionais), começou a realizar palestras de formação dirigidas aos quadros médios e superiores, em áreas como liderança, marketing e gestão. Em 2007 estreou-se na escrita. No seu livro mais recente, “Fartos de Ser Pobres”, volta "a pôr o dedo na ferida", analisando os resultados eleitorais, os vários cenários políticos e os novos desafios para a economia.