É um dos rituais do mercado de capitais e dos media ligados à economia e negócios: quando a cada trimestre as empresas cotadas em Bolsa apresentam os seus resultados gera-se um frenesi de notícias, análises, comentários, especulações…Há publicações que chegam até a dedicar secções autónomas à análise da “earnings season”, como é conhecida.
A divulgação de resultados trimestrais é uma obrigação para as empresas que abrem o seu capital. É uma forma de garantir que os investidores têm acesso a informação sobre as empresas nas quais investiram.
Nos últimos anos esta obrigação tem sido frequentemente criticada. Um número crescente de analistas diz que a informação trimestral serve para distrair os gestores das empresas da aposta no longo prazo, levando-os a concentrarem-se no curto prazo. Ou seja, as apostas da Gestão centram-se na necessidade de mostrar resultados a cada trimestre, o que retira o focus da aposta nas soluções que permitem gerar valor a longo prazo.
É verdade que tem havido excessiva concentração naquilo que costumo chamar de “ditadura dos trimestres”. Mas será que libertar os gestores dessa obrigação, ajuda mais do que prejudica? Vejamos: as empresas nem sempre tiveram que divulgar informação sobre os resultados. A primeira imposição nesse sentido veio da Securities and Exchange Commission (a CMVM americana) na década de 30, mais precisamente em 1934, na ressaca da Grande Depressão. Quase vinte anos mais tarde, em 1955, essa obrigação passou a semestral e em 1970 chegou a divugalção trimestral de resultados.
Primeira pergunta: por que é que só mais recentemente a questão da “ditadura dos trimestres” se tornou premente, se a obrigação existe há 35 anos? A resposta está ligada à mentalidade prevalecente no mercado de capitais (“greed is good”), que se iniciou há pouco mais de vinte anos: investe-se em ações à procura do lucro rápido, associado à valorização dos títulos, em detrimento da criação de valor por parte das empresas em termos sustentados (5, 10, 15 anos). Por outro lado, a remuneração dos gestores passou a incorporar, a menos que não seja como bónus, a evolução das cotações das empresas. Daí ao incentivo para “dourar” os resultados foi um passo.
Segunda pergunta: faz sentido libertar as empresas da obrigação de divulgar resultados trimestrais? É difícil encontrar respaldo para esta tese, apresar dos numerosos “papers” que têm surgido nos últimos anos. Se isso sucedesse, que tipo de orientação teriam os investidores, e os analistas, sobre o que se passa com as empresas? Até porque, se é verdade que o mercado vive obcecado com a “ditadura dos trimestres”, não deixa de ser verdade que há empresas cotadas em Bolsa que continuam preocupadas com o longo prazo. E isto sem que a lei tenha imposto coisas como desligar os bónus dos gestores da valorização bolsista (como sugerem alguns analistas).
É verdade que algumas intervenções pontuais, fazendo ajustes na legislação, podem ajudar: limitar a valorização das acções na fixação da remuneração variável (por exemplo, determinando que terá de ser a evolução de vários anos), pagamento dos bónus só depois de confirmada a evolução das acções durante esse período alargado de tempo, obrigar os gestores a divulgar informação detalhada e credível sobre a evolução da empresa a 10 anos… Mas tudo isto são alterações de pormenor. A melhor forma de penalizar as empresas que apostem no curto prazo é a atitude do investidor: se ele se concentrar nas empresas que apostam no longo prazo, esquecendo a “ditadura dos trimestres”, estará a criar a pressão suficiente para mudar a atitude dos gestores.
Camilo Lourenço é licenciado em Direito Económico pela Universidade de Lisboa. Passou ainda pela Universidade de Columbia, em Nova Iorque e University of Michigan, onde fez uma especialização em jornalismo financeiro. Passou também pela Universidade Católica Portuguesa. Comentador de assuntos económicos e financeiros em vários canais de televisão generalista, é também docente universitário. Em 2010, por solicitação de várias entidades (portuguesas e multinacionais), começou a fazer palestras de formação, dirigidas aos quadros médios e superiores, em áreas como Liderança, Marketing e Gestão. Em 2007 estreou-se na escrita, sendo o seu livro mais recente “Saiam da Frente!”, sobre os protagonistas das três bancarrotas sofridas por Portugal que continuam no poder.