Quantas vezes os líderes comunicam planos cheios de ambiguidade, carregados de ideias irreais e carismáticas apenas para confundir e frustrar os funcionários? Tantas vezes dizemos que queremos uma “growth strategy” só porque pensamos que ser maior é melhor. Isto não é uma estratégia com substância.
Lúcia Soares
Recentemente li o livro “Good Strategy Bad Strategy”, de Richard Rumelt, um “gigante no mundo da estratégia”. E compreendi o que tenho visto nos meus 19 anos de carreira em gestão – tenho tido alguns palpites – mas não uma compreensão total sobre a falta de substância em muitas das estratégias empresariais de hoje.
A análise clara de Rumelt demonstra o que acontece: a palavra “estratégia” passou a ser uma coisa banal, uma “mistura de cultura pop, slogans para motivar e simples business buzz” que não faz sentido e que não tem substância. Rumelt argumenta que atualmente as empresas precisam de líderes que estão focados na definição de uma estratégia, de uma síntese que contém “um diagnóstico, uma orientação, e uma ação coerente”. Ele frisa que os líderes têm de “estar dispostos e ser capazes de dizer não a uma variedade de ações e interesses” e têm de superar a superfície para chegar à substância.
Quantas vezes os líderes comunicam planos cheios de ambiguidade, carregados de ideias irreais e carismáticas apenas para confundir e frustrar os seus funcionários? Tantas vezes dizemos que queremos uma “growth strategy” só porque pensamos que ser maior é melhor. Isto não é uma estratégia com substância. Uma estratégia com substância define um desafio e um plano concreto com as ações e recursos necessários para encaminhar a organização para o sucesso.
Recordo o meu primeiro ano na universidade, quando a minha professora de literatura entrou na sala depois de ter lido os nossos primeiros trabalhos. Basta dizer que ela não estava contente. Depois de pregar sobre a importância de definir uma tese, de ter um ponto de vista claro e apoiado por argumentos concretos, disse-nos o que verdadeiramente pensava sobre a nossa maneira de escrever. “Parece que vocês se sentam em frente do computador e começam a escrever o que lhes vem à mente, “bla bla bla” – aquilo que entra na vossa cabeça, que soa bem, é o que vocês escrevem, sem sequer pensar no que dizem ou qual o argumento que querem explicar”. Bingo. É exatamente o que Rumelt diz no seu livro, e é exatamente o que encontramos na cultura moderna, nos líderes de negócios, e até nos políticos de hoje. Apenas se diz o que soa bem, o que nos parece que vai fazer os outros sentirem-se bem, o que vai fazer com que os outros sorriam. Mas, tal como no famoso anúncio americano do Wendy’s (fast food) – é tempo de perguntar “where’s the beef?”. Onde está a substância?
Chegámos ao fim de 2016, um ano controverso e dividido entre os “liberais e conservadores”, os “populistas e as elites”, os apoiantes do “Brexit e contra-Brexit”, os apoiantes de “Trump contra Hillary”… Devemos dar um passo atrás e perguntar – onde está a substância? Qual é o problema que queremos resolver e qual é a estratégia que se propõe? Quais são os argumentos justificados, os factos, os detalhes? Qual é o foco concentrado de recursos, a vantagem competitiva para abordar os principais desafios que enfrentamos? Em vez de ir com o “bla bla bla”, que soa tão bem aos nossos ouvidos, vamos enfrentar o trabalho duro e necessário de colocar de lado as nossas emoções superficiais e concentrarmo-nos nas questões que exigem pensamento crítico, compaixão e engenho criativo.
É tempo de regressar à raiz da questão da substância e da “Good Strategy.”
12-12-2016
Lúcia Soares, vice-presidente de healthcare technology strategy na Johnson & Johnson (J&J) nos EUA, é responsável pela coordenação e priorização dos esforços de inovação em tecnologia de saúde na companhia, fazendo a ligação com os objetivos críticos de negócio que aceleram o crescimento. Nos últimos 13 anos a luso-americana ocupou cargos de crescente responsabilidade na área de TI da J&J, com a criação de estratégias de sistemas de tecnologia, priorizando os portefólios de iniciativas de sistemas e fornecendo soluções. Antes esteve na empresa de consultoria em marketing interativo SBI, onde chefiou as áreas de project management office e de experiência do utilizador.
Filha de imigrantes açorianos, casada e mãe de duas meninas, vive em San Jose, na Califórnia, EUA. Inspirada pela literatura, línguas, e a comunidade, tem um mestrado em Administração de Empresas pela Universidade Estadual de San Jose, um mestrado em Literatura pela Universidade da Califórnia, e é bacharel em Línguas Estrangeiras pela Universidade Estadual de San Jose.