Nós, portugueses, sonhamos com revoluções. Revolução no ensino, revolução na Saúde, revolução nas empresas, revolução na riqueza… Por revolução entenda-se um processo de mudança que permite ganhos sustentáveis de qualidade e produtividade ao longo de certo período de tempo.
Camilo Lourenço
Uma análise da nossa sociedade nas últimas cinco décadas permite identificar algumas áreas onde se pode falar dessa revolução. Desde logo a Saúde, onde se verificaram ganhos assinaláveis que permitem ter, por exemplo, uma das mais baixas taxas de mortalidade infantil do mundo. No ensino, o balanço é mais duvidoso: alargou-se a escolaridade e o acesso ao ensino superior, é certo. Mas a qualidade deixa a desejar…
Se transitarmos para a economia, o balanço é ainda mais duvidoso. Os grandes setores onde se verificou aquilo que podemos designar de revolução são, nomeadamente, o calçado, o vinho, o turismo e as telecomunicações. O têxtil, graças à reação verificada nos anos mais recentes, também pode ser inserido nesta revolução: a reação à mortandade dos anos 1990 é notável. A banca, que durante 15 anos se pensou que também estaria neste grupo, sabemos hoje que é uma profunda deceção (como se vê pelas falências de alguns bancos).
O que levou a ganhos tão grandes nestes setores? Antes de avançar para os casos concretos, convém perceber quais os pressupostos básicos para a ocorrência de “revoluções”.
O primeiro é a existência de um conjunto mínimo de esforços por parte dos agentes de determinado setor, tendentes a atingir um objetivo final. Esforços esses que têm de ter um mínimo de coordenação. O segundo é o tempo. Vejamos o primeiro. Há 20 anos, face à mortalidade de empresas no têxtil, não faltavam consultores que perspetivavam o mesmo problema no calçado. O tempo desmentiu essa “profecia”. Porquê? Porque os empresários do setor souberam perceber duas coisas: a necessidade de subir na escala de valor, via aposta na criatividade, design e qualidade dos produtos. Nos primeiros anos nem se deu pela mudança. Mas ao fim de uma década os resultados começaram a aparecer. Ou seja, se não tivesse havido a preocupação de manter esse esforço continuadamente, os resultados nunca teriam aparecido.
No turismo a experiência não foi muito diferente. A melhoria do parque hoteleiro, a aposta num marketing agressivo e a concertação de esforços entre operadores (que incluiu reforçar a presença de novas companhias aéreas nos aeroportos nacionais) trouxeram um milagre. E em tempo recorde: ao contrário do calçado, por exemplo, a revolução no turismo ocorreu em escassos dez anos.
O caso do vinho é outro exemplo. Há um quarto de século ninguém dava nada pelo vinho português, com exceção do Douro (onde pesava o Porto). Hoje proliferam as marcas de qualidade, algumas delas com produtos capazes de ombrear com o que de melhor se faz na Europa e no mundo. Porquê? Porque se revolucionaram técnicas de vinificação, graças à aposta na formação de enólogos, no marketing e à chegada ao setor de uma nova geração de empresários, com reconhecida capacidade de gestão.
Os portugueses, como dizia um investidor holandês (citado num artigo publicado aqui há semanas), não têm paciência. É isso que tem limitado a proliferação de “revoluções” para além das de que se fala neste artigo. É esta a lição que precisamos de aprender: o sucesso do vinho, do calçado e do turismo não surgiu de repente. Foram décadas de aposta num objetivo bem definido. E foi a concertação de esforços entre variados operadores com interesses comuns.
É difícil de replicar? Não. Mas é preciso ter paciência.
18-02-2016
Camilo Lourenço é licenciado em Direito Económico pela Universidade de Lisboa. Passou ainda pela Universidade de Columbia, em Nova Iorque, e a University of Michigan, onde fez uma especialização em jornalismo financeiro. Passou também pela Universidade Católica Portuguesa. Comentador de assuntos económicos e financeiros em vários canais de televisão generalista, é também docente universitário. Em 2010, por solicitação de várias entidades (portuguesas e multinacionais), começou a fazer palestras de formação, dirigidas aos quadros médios e superiores, em áreas como Liderança, Marketing e Gestão. Em 2007 estreou-se na escrita. No seu livro mais recente, “Fartos de Ser Pobres”, volta "a pôr o dedo na ferida", analisando os resultados eleitorais, os vários cenários políticos e os novos desafios para a economia.