Tem 22 anos e começou a escrever-me há um ano. As mensagens eram semelhantes às de tantas outras pessoas que me contactam: gostava de ouvir o que digo na televisão. Perguntei porquê: “Porque a maioria das pessoas, face à crise, queixa-se, lamenta-se e acomoda-se, o Camilo arranja soluções em vez de perder tempo com lamentos”. E acrescentou: “Identifico-me com isso: não estou bem, mudo-me. E quando não estiver bem aqui, mudo-me outra vez. Vou-me lixar muitas vezes, mas hei-de acertar”.
Agradeci e pensei que a conversa ficaria por ali. Não ficou. Nas semanas seguintes, voltou à carga, para dizer que decidira ir para Londres. Porquê? O Ministério da Educação tirara-lhe a bolsa (a ela e à irmã) e não podia continuar a estudar, porque os pais não podiam. Em Inglaterra, dizia, o governo ia dar-lhe uma bolsa de 9 mil libras anuais para estudar. “Sou patriota, mas há factos difíceis de ignorar”, atirou.
Algo me disse para acompanhar o seu percurso. Não havia o mínimo de queixume nas suas palavras: só a consciência de que, face a uma dificuldade, ela decidira contorná-la.
Meses depois, voltou a entrar em contacto comigo: “Olá Camilo, estou a pensar enviar emails para várias empresas a oferecer-me para fazer 5-10 horas for free, para me conhecerem na área de negócios, marketing, etc. Para me conhecerem. Não me importo de não ficar. Ao menos, ganho experiência e também ponho no cv que fiz trainerships. O que acha?”
Fiquei boquiaberto: esta miúda não “choraminga”. Tomou o futuro nas mãos… “Acho muito bem”, retorqui. “Isso é drive de vencedor”. E vencedora ela é. Duas semanas depois, nova mensagem: “Eh pá, ligaram-me da universidade a dizer que entrei em gestão em Londres, nem sei como reagir!”.
A partir daqui, já tinha perdido todas as dúvidas de que iria seguir o percurso desta miúda. Não é todos os dias que encontramos alguém que abdica de atirar para cima de outros (governo, pais, sociedade…) a culpa do infortúnio, para fazer o seu próprio caminho. Ela estava no caminho certo.
E estava mesmo. Nas semanas seguintes, percebi que tinha arranjado emprego num “fast-food” em Londres. Trabalha 40 horas semanais (a 7 libras à hora), mas, quando pode, faz subir esse número para 50 a 60 horas! Para pagar o quarto que partilha com outra estudante, pelo qual paga 475 libras por semana, e para suportar as outras despesas.
E a Universidade? O trabalho não está a prejudicar o desempenho? “Na semana passada, recebi o resultado do primeiro exame: tive 85% a Contabilidade”. Touché.
No entanto, nada do que vos contei até agora me preparou para o que estava para vir. Há duas semanas, escreveu-me de novo: “Preciso de uns conselhos seus para poupar em negócios, tem uns 10 minutos?”
Afinal, do que se tratava? “O meu general manager quer poupar e o que ele está a fazer é reduzir benefits e food allowances do staff. Também estamos muitas vezes no restaurante a trabalhar com pessoal reduzido, porque ele está a cortar horas”. A consequência, dizia ela, é que “o staff não está feliz. Mas ele tem mesmo que reduzir despesas com o staff, porque estamos a gastar 20% ou mais do lucro em staff, quando devia ser cerca de 16%”.
E porque está preocupada com isso?, questionei. “Eu também não estou feliz com esta situação, mas não quero reclamar sem ter uma sugestão”.
Atenção. Eu não estava a fazer de “consultor” do gestor daquele fast-food. Estava a fazer de “consultor” de uma “trainer” que tem duas preocupações: 1 - Dizer ao gestor que não gostou da redução de salário, mas não o quer fazer sem uma proposta alternativa. 2 – Perceber como é que a empresa pode baixar os custos salariais de 20% para 16%, sem afectar a motivação e o empenho dos funcionários.
O resultado está à vista, nas palavras da própria Maria: “Cheguei a este trabalho há 6 meses, subiram-me para trainer (treino às pessoas novas) e o meu general manager disse-me que me ia enviar para supervisor assesment daqui a 2 meses”.
Tiro o chapéu à Maria. Estou perante uma miúda que sabe o que quer, que não atira as culpas dos seus problemas para cima de outros, que olha para as dificuldades como uma oportunidade e que quer ajudar o gestor da sua empresa a melhorar os resultados, mantendo a força de trabalho “feliz”. A comprová-lo, está a última frase da última conversa que tive com ela: “Se calhar, devia fazer Psicologia”. Quando lhe perguntei porquê, respondeu: “Para aprender a gerir pessoas. Trabalhadores felizes e motivados fazem dinheiro e ainda agradecem”.
Tenho a certeza de que vamos ouvir falar dela!
Camilo Lourenço é licenciado em Direito Económico pela Universidade de Lisboa. Passou ainda pela Universidade de Columbia, em Nova Iorque e University of Michigan, onde fez uma especialização em jornalismo financeiro. Passou também pela Universidade Católica Portuguesa. Comentador de assuntos económicos e financeiros em vários canais de televisão generalista, é também docente universitário. Em 2010, por solicitação de várias entidades (portuguesas e multinacionais), começou a fazer palestras de formação, dirigidas aos quadros médios e superiores, em áreas como Liderança, Marketing e Gestão. Em 2007 estreou-se na escrita, sendo o seu livro mais recente “Saiam da Frente!”, sobre os protagonistas das três bancarrotas sofridas por Portugal que continuam no poder.