João Júlio Fernandes: Até ao momento nenhuma garantia foi acionada

João Júlio Fernandes: Até ao momento nenhuma garantia foi acionada
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O presidente do conselho de administração do angolano FGC – Fundo de Garantia de Crédito afirma que, com a criação deste programa, o setor bancário em Angola “teve de se capacitar para a análise de projetos em setores pouco relevantes nas suas políticas de concessão de crédito”. Em entrevista ao Portal da Liderança, João Júlio Fernandes não nega que as atuais dificuldades cambiais em solo angolano têm um impacto incontornável no financiamento, o que “tem resultado no atraso de vários projetos devido aos desembolsos para fornecedores no exterior do país”. No entanto, ressalta que esta conjuntura traz oportunidades “pelo simples facto de não haver alternativas para a sustentabilidade da economia senão a substituição competitiva de importações. Tal cria espaço para se investir em novas atividades e dinamizar setores já existentes”.

Lançado em 2012, o FGC - Fundo de Garantia de Crédito avaliza os empréstimos concedidos ao abrigo do Angola Investe (programa destinado a empresas impulsionado pelo Governo angolano no sentido de apoiar o investimento em setores de atividade produtiva no país africano via crédito bancário). O FGC tem uma estrutura que permite reembolsar até 70% dos financiamentos em caso de incumprimento (os restantes 30% são cobertos pelo cliente sob a forma de garantias pessoais ou consignação de receitas), em que a empresa ou beneficiário paga uma comissão de 2% ao ano sobre a dívida garantida. Os empresários não têm contacto direto com o Fundo – o pedido de cobertura do risco de financiamento é feito pela banca comercial. Ou seja, a decisão quanto à concessão ou não do crédito cabe ao banco e não ao FGC. 

O FGC existe desde maio de 2012. Qual o balanço que faz destes quase quatro anos – quantos projetos/entidades foram apoiados até hoje e quais os valores envolvidos?
Podemos dizer que a emissão de garantias arrancou efetivamente em 2013. Penso que o balanço é positivo, considerando o contexto empresarial e bancário em que o FGC foi instituído. O principal programa do Governo que o FGC tem suportado é o Angola Investe, de apoio às micro, pequenas e médias empresas. O programa concentra-se em setores produtivos para o fomento da produção interna, quando nas carteiras de crédito dos bancos predominam o comércio e serviços.
Por um lado, os empresários têm feito um esforço na identificação de oportunidades nos setores suportados pelo Angola Investe e na elaboração de planos de negócio capazes de persuadir a banca da sua viabilidade. Por outro, o setor bancário teve de se capacitar para a análise de projetos em setores pouco relevantes nas suas políticas de concessão de crédito.
Por exemplo, os setores da agricultura, pecuária e pescas representavam em 2013 à volta de 3% do crédito bancário. Em 2015 esta percentagem subiu para 5%. Dos financiamentos bancários a esses setores, 14% têm a garantia do FGC. Até ao fim de 2015 o FGC emitiu 328 garantias no valor de 43 mil milhões de kwanzas [cerca de 246 milhões de euros] e essas garantias viabilizaram financiamentos no valor de 66,8 mil milhões de kwanzas [382 milhões de euros]. Parece-me relevante que, de forma indireta, sem recursos públicos, através da banca, se tenha alcançado esse valor de investimentos, e isso, penso, legitima a nossa avaliação positiva do impacto do FGC na economia.

Quais os setores que, através da banca comercial, mais recorrem ao FGC?
Os principais setores que o FGC apoia são a agricultura, pecuária e pescas (38% dos projetos garantidos) e a indústria e minas (45%). Garantimos também financiamentos para a produção de materiais de construção e para alguns serviços de suporte à atividade produtiva.

Qual o retorno do crédito entretanto concedido – há valores disponíveis?
Tomando o caso do Angola Investe, está garantido para os bancos um retorno do crédito concedido ao nível do restante crédito que efetuam com características similares, portanto, os bancos terão os valores do retorno disponíveis. Os financiamentos são concedidos à taxa Luibor (interbancária), adicionada a uma margem ou spread em função da dimensão da empresa (3% para médias, 4,5% para pequenas e 6% para as micro). A maior parte do encargo com os juros é suportada por uma bonificação do Governo (70%) sendo que a empresa nunca paga mais que 5%. Pela garantia concedida o FGC cobra 2% ao ano do valor em dívida garantido. 

O Fundo presta assim garantias com uma cobertura de até 70% do capital – entretanto, já houve garantias acionadas?
Neste momento a nossa cobertura média é de 64% do valor dos financiamentos. Existem situações de incumprimento, como seria de esperar quando lidamos com crédito. Contudo, um dos maiores esforços do FGC tem sido o acompanhamento dos projetos beneficiários da garantia. Em 2015 realizámos mais de 130 visitas a empresas por todo o país. Ao mesmo tempo colaborámos com os nossos principais parceiros, os bancos comerciais, na monitorização do serviço da dívida dos créditos, de forma a antecipar e sanar potenciais situações que levem ao acionamento de garantias. Desse contacto permanente com as empresas e bancos resulta que até ao momento nenhuma garantia tenha sido acionada.

JoaoJulioFernandesC

Com a falta de divisas no mercado angolano e a baixa do preço do barril de petróleo, o número de solicitações baixou ao longo do último ano, ou, pelo contrário, aumentou?
Tivemos menos garantias emitidas em 2015 comparando com 2014. Tal não me parece ter acontecido por menos solicitações de financiamento mas por menos aprovações por parte dos bancos. O FGC não tem conhecimento dos processos de solicitação de crédito nos bancos até que os mesmos tenham sido aprovados e a garantia solicitada. As dificuldades cambiais atuais têm um impacto incontornável no financiamento de projetos produtivos, dado existir quase sempre alguma necessidade de importação para a concretização dos projetos, seja em forma de equipamentos, matéria-prima ou mesmo recursos humanos. Isso tem resultado no atraso de vários projetos devido aos desembolsos para fornecedores no exterior do país. Acredito que a questão cambial também leva os bancos a terem maior cautela na aprovação dos créditos, considerando a sua capacidade de cumprir com esses pagamentos em divisas.

Como prevê que esta situação evolua a curto prazo?
Tem sido feito um esforço pelo Executivo e pelo banco central de forma a identificar e priorizar pagamentos ao exterior de negócios que contribuam para o aumento da produção nacional e diversificação da economia. Nessas prioridades estão os projetos garantidos pelo FGC. Penso que, neste momento, esta é a abordagem possível e acertada, dado, segundo os especialistas, não ser expectável um aumento considerável do preço do barril de petróleo no curto e médio prazo.

Um estudo de novembro último (da consultora KPMG) alerta para a tendência crescente no volume do crédito vencido em Angola.
Já se verificou um aumento do crédito vencido entre 2013 e 2014 e acredito que seja uma tendência que se mantenha quando fechado o exercício de 2015, e durante 2016. Em alguns setores, como o imobiliário, a procura tem vindo a descer, e menores receitas comprometem a capacidade de reembolso dos créditos contraídos. Ao mesmo tempo há uma tendência crescente das taxas de juro, o que encarece o serviço da dívida. Algo positivo que mitiga o risco de incumprimento nos créditos garantidos pelo FGC é a bonificação dos juros, que estabiliza os encargos financeiros dos empresários, mas que, com a subida das taxas de juro, aumenta os encargos para o Governo. Apesar das dificuldades fiscais do momento, é fundamental que se continue a garantir recursos para a bonificação de juros.

Tendo em conta a atual situação económica, pode dizer-se que o FGC acaba por funcionar como uma espécie de balão de oxigénio?
O propósito do FGC é antes de mais viabilizar o crédito, e na situação económica atual do país é importante que a concessão de crédito não desacelere. Durante o ano de 2015, apesar dos vários constrangimentos conhecidos, alguns dos quais já referidos, assistiu-se a um aumento do crédito concedido. A expectativa é que o FGC continue a representar um instrumento credível para a banca na gestão do seu risco de crédito. Algumas iniciativas têm sido sugeridas pelo FGC que, se concretizadas, podem ter um impacto positivo no crédito e, consequentemente na economia. Por exemplo, acreditamos haver suporte legal, e interesse nacional, na isenção de constituição de provisões pelos bancos nos créditos garantidos pelo FGC. Em resultado da redução de custos para os bancos dessa medida poderíamos, eventualmente, ter mais crédito para a produção interna e também uma menor pressão para o acionamento das garantias. 

E tendo em consideração a experiência do FGC, quais as principais dificuldades com que se deparam os líderes do tecido empresarial angolano?
Há dificuldades estruturais sobre as quais o país tem trabalhado, especialmente depois da paz em 2002. Em questões como as infraestruturas rodoviárias ou o acesso a energia e água das redes têm-se observado avanços consideráveis. Ainda existem dificuldades mas são fatores fundamentais para aumentar a competitividade da produção nacional.

O que nos leva às oportunidades.
A situação atual traz oportunidades pelo simples facto de não haver alternativas para a sustentabilidade da economia senão a substituição competitiva de importações. Tal cria espaço para se investir em novas atividades e dinamizar setores já existentes. O turismo interno, por exemplo, é uma oportunidade perante a escassez de divisas, e a construção de infraestruturas hoteleiras foi adicionada ao conjunto de projetos elegíveis a garantia. Programas como o Angola Investe e instituições como o FGC representam um suporte que deve ser amplamente aproveitado pela classe empresarial angolana.   

 24-02-2016


Armanda Alexandre/Portal da Liderança


João Júlio Fernandes, licenciado em Economia pela Africa University, tem uma pós-graduação em Gestão (Univ. Lusíada de Lisboa) e um mestrado em Finanças pelo Rochester Institute of Technology (Bolsa Fullbright). O atual presidente do conselho de administração do angolano FGC – Fundo de Garantia de Crédito iniciou o percurso na área financeira no Banco Nacional de Angola. Nesta entidade, começa por trabalhar no Departamento da Dívida Externa, transitando depois para o Departamento de Mercado de Activos. Segue-se o Banco Angolano de Investimentos, onde ingressa no Gabinete de Planeamento e Controlo de Gestão.
Mais tarde envereda pela docência universitária, nos cursos de Economia e Gestão Bancária, no Instituto Superior Politécnico Metropolitano de Angola, e na Universidade Técnica e Angola. Passados três anos está de regresso à área financeira, para o FGC – Fundo de Garantia de Crédito.