Mao Tsé-Tung: Visões bipolares sobre o líder bipolar

Mao Tsé-Tung: Visões bipolares sobre o líder bipolar
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O “Grande Timoneiro” nasceu há 120 anos, e muitos maoistas celebraram a data. Haverá razões para regozijo? Estará a ser edificado um novo “Natal” na China?

Mao-Tse-Tung-liderancaDavid Owen, médico, ex-ministro da Saúde e dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido, argumenta que Mao Tsé-Tung padeceu de doença mental. Sugere, também, que terá sofrido de depressão, ou de doença bipolar, durante toda a vida. Esse diagnóstico ajuda a compreender porque Mao tinha períodos de grande prostração, a que se seguiam picos de euforia. 

A bipolaridade de Mao, agora social e política, mantem-se viva. Disso deu recentemente conta The Economist (7 de Dezembro de 2013): “Alguns chamam-lhe tirano pela violência que colocou no cerne da sua governação, causando a morte de dezenas de milhões de pessoas. Outros veneraram-no quase como um Deus.” Os maoistas de gema têm insistido em que 26 de dezembro seja declarado o shengdanjie de Mao. O termo shengdanjie significa literalmente “o festival do nascimento sagrado”, a palavra chinesa para Natal. Argumentam os paladinos do ex-ditador que, atendendo à diferença horária entre o Ocidente e o Leste, o nascimento de Mao coincide com as celebrações ocidentais do nascimento de Jesus. Eis como um apaniguado se pronunciou acerca da matéria: “Os Ocidentais com cabelo louro, olhos azuis e grandes narizes celebram o seu shengdanjie fictício no mesmo dia em que os chineses e o ‘proletariado global’ celebram o shengdanjie ‘real’ de Mao”.

Nicholas Kristof escreveu no New York Times, em 2005, que Mao mantem influência poderosa sobre a imaginação popular. Acrescentou que alguns camponeses, em certas partes da China, haviam começado a erigir santuários religiosos tradicionais em homenagem ao “Grande Timoneiro”. E comentou que esta é a honra derradeira de que um ateu pode fruir: “ele transformou-se num Deus”.

Quem tenha lido a biografia de Mao escrita por Jung Chang e Jon Halliday (A história desconhecida de Mao) fica petrificado com a “natalização” e a “canonização” de Mao Tsé Tung. O “Grande Timoneiro” provocou largos milhões de mortes, tendo afirmado: “Devia haver comícios de celebração quando as pessoas morrem. [A morte] deve, na verdade, alegrar-nos … Acreditamos na dialética e por isso não podemos não ser a favor da morte. (…) As mortes têm benefícios. (…) Podem fertilizar o solo”.

O exposto ajuda a compreender como a cúpula política da grande nação chinesa parece dividida e hesitante em relação à figura de Mao. Alguns usam o seu legado para ganhar apoio. Outros procuram empurrar a República Popular para uma nova fase. O resultado não é pacífico e a luta política segue intensa. Todavia, para os estudiosos do fenómeno da liderança, algumas lições podem ser extraídas:

  • Contrariamente ao que frequentemente se presume, os líderes (políticos ou empresariais) não são necessariamente pessoas mentalmente sãs.
  • A liderança perversa pode adquirir uma imagem de normalidade e legitimidade ideológica que induz outros líderes a mimetizarem-na. Mesmo na vida empresarial, este efeito mimético pode ocorrer. Quando líderes empresariais perversos são bem-sucedidos, não faltam loas aos seus atos “eficazes” – descurando-se a imoralidade ou a maldade presentes em tais atos.
  • Quando os liderados, na fase inicial de um processo de liderança, perdem a capacidade para contrariar ativamente as perversidades dos seus líderes, acabam por ficar manietados numa teia de cumplicidades de que podem ter dificuldade em escapar. Após terem sujado as mãos uma vez, ficam mais vulneráveis às ações de lideranças perversas.
  • As lideranças perversas, com traços psicopatas, não reconhecem critérios de lealdade, verdade ou reciprocidade. Os líderes psicopatas, após servirem-se das suas vítimas, não se inibem de lhes fazer a vida negra, ou de transformá-los em proscritos, quando deixam de ser instrumentos úteis.
  • A liderança perversa pode estar escondida atrás de um discurso repleto de altruísmo, de preocupação com o bem-estar da organização, e de repreensões aos “maus jogadores de equipa”. Mao usou a narrativa da defesa dos camponeses e do patriotismo para alcançar e desenvolver o seu poder pessoal.
  • Os líderes não são interpretados apenas à luz do que realmente fazem. A devoção que os liderados desenvolvem pelos seus líderes pode resultar mais do controlo que os líderes (e seus acólitos) fazem da sua imagem pública do que da realidade. Os liderados também vêm nos líderes o que neles querem ver. O que hoje se sabe acerca de Mao torna clara a monstruosidade da sua ação. Mas continua a haver apaniguados desejosos de santificá-lo.


Mao pertence à família de Estaline, Hitler, Pol Pot e outros figurões como os da dinastia Kim na Coreia do Norte. O culto da personalidade que todos promoveram ajuda a compreender os impactos que produziram. Aprendamos a interpretar devidamente como estes processos se desenvolveram, para que o Natal continue a ser Natal!

 


Armenio RegoArménio Rego é doutorado e agregado em gestão. Ensina na Universidade de Aveiro. É autor ou coautor de mais de quatro dezenas de livros nas áreas da liderança e da gestão de pessoas. É também autor ou coautor de mais de uma centena de artigos, sobretudo em revistas internacionais nas áreas do comportamento organizacional e da liderança/gestão de pessoas. Tem desenvolvido projetos de consultoria nestas áreas, e realizado dezenas de conferências, seminários, workshops e eventos de formação de executivos. Foi agraciado com diversos prémios, em Portugal e no estrangeiro.

MiguelPCunha copyMiguel Pina e Cunha é professor catedrático na Nova School of Business and Economics. Os seus interesses de investigação incidem sobre dois temas principais: processos e paradoxos. Tem estudado os processos que conduzem à criação de organizações positivas bem como ao surgimento de ambientes tóxicos ou ultra-tóxicos (nomeadamente no caso de organizações genocidas). Publicou, em coautoria com os seus colegas, nomeadamente, com os outros autores deste livro, mais de uma centena artigos em revistas internacionais nos domínios da gestão, organizações e psicologia.