Quais as questões estruturais da economia europeia? Alternativas na Política Económica da UE

Quais as questões estruturais da economia europeia? Alternativas na Política Económica da UE
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Ao longo das últimas semanas, temos vindo aqui a refletir sobre o tema das “Alternativas na Política Económica Europeia”.

Foram levantadas cinco questões sobre as alternativas existentes na Política Económica Europeia:

1. É a fraca dinâmica económica da Europa face aos EUA explicada por diferentes políticas económicas contra cíclicas?
2. Ajustamento macroeconómico nos países periféricos na zona euro: haveria outra solução?
3. É possível implementar na zona euro uma política orçamental mais expansionista?
4. Que evolução se perspetiva na política monetária?
5. Quais as questões estruturais chave da Economia Europeia?

Tendo em conta estas cinco questões, das quais já abordámos as quatro primeiras, fechamos hoje esta análise com a quinta e última pergunta.

Quais as questões estruturais chave da economia europeia?

O exposto nos artigos anteriores evidencia as limitações da política orçamental e da política monetária na criação de condições para um crescimento económico sustentado. A Europa, para além do grave problema demográfico, debate-se com outras questões estruturais chave que condicionam o potencial de crescimento a médio e longo prazo:
 

Como fazer funcionar a Zona Euro, num quadro de estabilidade macroeconómica?

Referimos anteriormente as consequências da falta de Federalismo no desencadeamento de crises na balança de pagamentos nos Estados-membros que não consigam gerar o equilíbrio externo das suas economias, financiar adequadamente os seus défices de financiamento e melhorar as suas estruturas produtivas. Em suma, a sua competitividade externa.

O “antídoto” para esta questão, para além da necessária disciplina financeira, passa por uma política económica europeia mais integrada. O que exigirá mais integração política, capaz de gerar uma maior coordenação das políticas económicas de curto prazo e melhor qualidade na implementação das políticas estruturais para a melhoria da competitividade.

É, assim, desejável a reforma do modelo institucional da Europa, a caminho de um maior grau de integração política, reforçando os instrumentos típicos do Federalismo.

Mas existem muitas dificuldades à concretização deste desiderato. Até porque existem preferências políticas e sociais diferentes.

Vejamos os casos paradigmáticos da economia francesa e italiana. Estes países são diferentes da generalidade dos outros países da OCDE no que respeita a:

  • Grau de generosidade da proteção social, com custos sociais acrescidos;
  • Papel do Estado, com um maior peso da despesa pública no PIB;
  • Distribuição dos rendimentos e funcionamento do mercado de trabalho, com maior proteção para quem está empregado.


Destas preferências sociais diferentes, resultam:

  • Uma carga fiscal e parafiscal mais elevada do que a de outros países, em particular sobre as empresas;
  • Uma repartição de rendimentos mais favorável aos trabalhadores, o que explica, em parte, uma rentabilidade empresarial do capital investido mais baixa, quando existam dificuldades de subida na cadeia de valor, no contexto da maior pressão concorrencial com a globalização dos mercados.


Essas preferências sociais são legítimas. Mas, numa economia globalizada, há que ter consciência de que, com as taxas de câmbio fixas na zona euro e com a livre circulação de capitais, uma pressão fiscal mais forte sobre as empresas e uma rentabilidade do capital mais baixa implicam, normalmente, a perda de competitividade relativa nos setores expostos à concorrência internacional.

Desta forma, gera-se uma perda de investimento empresarial relativamente a outros países, o que se nota sobretudo em Itália; uma perda de capacidade de produção, a favor de outros países, o que é claro em França e ainda mais em Itália; uma perda de emprego, nessas economias, com a deslocalização das empresas.

Assim, quando os cidadãos dos países, como a França e a Itália, têm duradouramente preferências sociais distintas das de outros países concorrentes na atração de investimento no setor produtivo, agravando, para além de certa medida, os custos do contexto empresarial, devem ter consciência de que é natural que se verifique uma tendência para a diminuição do peso dos setores concorrenciais nas suas estruturas produtivas, e uma maior concentração de recursos nos “setores protegidos”. Com o risco da necessidade, a prazo, de se reduzir a procura interna para equilibrar o comércio externo.

Então, pode hoje um país ter um modelo económico e social muito diferente, sem outras vantagens competitivas compensatórias consideradas relevantes pelos investidores?

Nesse cenário, seria necessário que pudessem ajustar a taxa de câmbio (para corrigir os desvios de competitividade e de rentabilidade), ou então reduzir a mobilidade internacional do capital, o que é, em geral, pouco compatível com os compromissos internacionais assumidos.

Portanto, a questão estrutural da economia europeia chave é a da competitividade. O que exige a vontade política no sentido da implementação de políticas estruturais do lado da oferta de bens e serviços, para a revitalização do tecido produtivo e do emprego.

Qual o papel da política económica europeia no domínio das ações estruturais para a melhoria da produtividade e da competitividade e, logo, do crescimento potencial?

A União Europeia começou a preocupar-se tarde com os chamados “desequilíbrios estruturais” das economias, e não apenas com os objetivos orçamentais. Para tanto, emite hoje alertas e recomendações, passando à fase de uma coordenação mais intrusiva das políticas económicas.

Também começou a fazer um “trade-off” – o que é positivo – entre uma maior flexibilidade na correção temporal dos défices orçamentais excessivos e a exigência quanto aos compromissos nacionais de implementação das reformas estruturais.

A União Europeia tem também vindo, progressivamente, a aperfeiçoar as suas políticas estruturais horizontais: concorrência e regulação dos mercados; investigação e desenvolvimento; energia e ambiente; emprego; desenvolvimento regional, etc. Um instrumento fundamental de apoio às políticas estruturais nacionais tem sido os chamados Fundos Estruturais (ex: FEDER, FSE, etc…). No entanto, não nos podemos esquecer das limitações do Orçamento da EU, apenas 1% do PIB europeu, quando nos Estados Federais se atingem valores muito superiores.

Mas não nos iludamos nesta fase. As reformas estruturais de que as economias europeias necessitam para impulsionar a sua competitividade, o seu crescimento potencial, o investimento produtivo e o emprego, têm que ser essencialmente nacionais.

O diagnóstico estrutural para a melhoria da competitividade na Europa, e na generalidade dos países, é recorrente. O que tem faltado em muitos deles, nomeadamente em França e na Itália, é a capacidade política para a implementação das reformas estruturais de qualidade.

Por exemplo, quais são as reformas estruturais mais urgentes em França, para impulsionar o crescimento a longo prazo e o emprego?

Uma instituição financeira francesa, no seu “Recherche Economique”, recordava as reformas estruturais mais urgentes em França, para as quais tem faltado vontade política, nomeadamente:

  • Reformas (fiscalidade, parafiscalidade e formação dos salários) que permitam reduzir custos e recuperar a rentabilidade das empresas, essencial para a atração de investimento, uma vez que o subinvestimento empresarial aparece como uma das causas do fraco crescimento a longo prazo;
  • Aumento da intensidade concorrencial em muitos setores da economia, especialmente nos serviços, cujos preços relativos crescem mais aceleradamente, pondo em causa a competitividade relativa dos setores expostos à concorrência internacional;
  • Modificação do funcionamento do mercado de trabalho, para evitar que os salários reais cresçam continuamente mais do que a produtividade.Note-se que o custo salarial na indústria em França é similar ao da Alemanha, só que o nível de sofisticação da gama de produção industrial é nitidamente mais elevada na Alemanha do que em França (a estimativa da elasticidade – preço das exportações em volume é de 0,7% em França contra 0,2% na Alemanha).
  • Reforma dos sistemas de educação e de formação. A longa duração do desemprego jovem e a classificação da França nos inquéritos da OCDE sobre as competências da população ativa revelam deficiências no sistema educativo e de formação profissional.


São apenas exemplos. Todos os países europeus precisam de reformas estruturais profundas e de qualidade. O “mix” de reformas tem de ser o adequado às especificidades de cada um. Muitos países precisam de uma maior competitividade fiscal, da reforma estrutural da despesa pública, da simplificação do aparelho do Estado, de melhorias de funcionamento nos mercados de bens e serviços, no sistema de justiça e na qualidade das instituições.

O que tem faltado ao nível nacional, e em muitos países, é o consenso político ou a vontade política para efetuar reformas estruturais profundas e de qualidade, adaptadas ao novo contexto competitivo da globalização.

 


Eduardo-Catroga-Politica-EuropeiaEduardo de Almeida Catroga licenciou-se em Finanças, no Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, em 1966, tendo recebido o Prémio Alfredo da Silva. Foi assistente do ISCEF, de 1968 a 1974, e permaneceu como professor catedrático convidado, a partir de 1990. Em 1979 frequentou o Program for Management, da Harvard Business School. Começou a exercer funções no sector privado em 1967, na CUF, onde foi diretor financeiro e diretor de planeamento, depois nomeado membro do Conselho de Administração e da Comissão Executiva, entre 1974 e 1975. Mais tarde foi vice-presidente executivo da Quimigal, de 1978 a 1980. Em 1981 passou a administrador delegado da Sapec, onde hoje é presidente do Conselho de Administração. Acumula essas funções com as de administrador (não executivo) da Nutrinveste, do Banco Finantia e membro do Conselho Geral e de Supervisão da EDP. Desde 2011 preside ao Conselho Leonino do Sporting Club Portugal. Atualmente, desde Fevereiro de 2012, após a venda de parte do capital da EDP à China, foi eleito presidente do Conselho Geral e Supervisão da EDP. Foi chamado a funções governativas, como Ministro das Finanças do XII Governo Constitucional, o terceiro de Cavaco Silva, entre Dezembro de 1993 e Outubro de 1995. Publicou Política Económica – 22 Meses no Ministério das Finanças (1995) e Intervenções sobre Política Económica (vol. I, Discursos e vol. II, Debates e Entrevistas, 1995), além de numerosos artigos em revistas da especialidade nas áreas da política económica, economia portuguesa e estratégia empresarial. Em 2007 foi-lhe atribuído o Prémio Carreira de Economista, pela Ordem dos Economistas e a distinção de Antigo Aluno do Ano, pelo ISEG. A 9 de Junho de 2006 foi agraciado pelo Presidente da República, com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo. Em Abril de 2011 foi o economista indicado pelo PSD para acompanhar as negociações com a troika FMI, UE e BCE. É presidente da Comissão de Avaliação do Best Leader Awards.