Não chega atuar no feedback quando o recebe. Precisa de o procurar de forma proativa e consistente, a fim de desenvolver a autoconsciência e humildade necessárias para continuar a evoluir como líder.
Lúcia Soares
No início da minha carreira pensava que ter feedback era ótimo, porque o feedback que recebia era tão positivo: “É tão organizada, adoro!”, “É uma grande comunicadora”, “Está focada em resultados e é excelente com os clientes!”. Pelo que o feedback era algo que eu almejava receber. Quando entrei para uma multinacional com coaches e mentores, aprendi logo no início que, embora o feedback que recebia fosse bom, não era tão valioso quanto o feedback que não estava a receber.
Pouco depois de começar a trabalhar para uma grande empresa, completei um exercício anónimo de feedback 360º. Mais uma vez, obtive uma grande maioria de comentários positivos, mas houve um isolado – “tende a gravitar e a alinhar com as opiniões dos executivos na sala”. Para ser honesta, não dei grande relevância à observação, mas quando me encontrei com o meu coach ele falou sobre o assunto e pediu-me para pensar a sério em exemplos em que tal pudesse ser verdade. Motivada pelo seu conselho, comecei cada reunião com uma nota para mim mesma – prestar atenção aos comentários de todos, e também prestar especial atenção àqueles que nada dizem. Depressa percebi o quanto estava a perder. Na altura era responsável por um projeto de alta visibilidade e prioritário para a companhia. Numa reunião de equipa tentei avaliar se o projeto tinha quaisquer riscos em termos de tempo. A maioria dos membros da equipa disse que estava tudo em ordem. Mas nem todos se pronunciaram, então pedi a quem não tinha falado que desse a sua opinião. E fiquei a saber que precisávamos de fazer uma grande mudança se quiséssemos que o projeto seguisse dentro do estipulado. Se eu não tivesse seguido o conselho do meu coach à letra teria perdido este momento-chave.
Ter tido um coach a indicar que me focasse no feedback isolado/atípico numa fase inicial da minha carreira foi um momento de transformação no meu crescimento em liderança e moldou os meus valores no sentido de apreciar e ouvir sempre com atenção os comentários e opiniões de todos. Mas quanto mais evoluía na minha carreira mais percebia o quão difícil era obter o dom deste tipo de retorno. Não é suficiente atuar no feedback quando se recebe. Precisa de o procurar de forma proativa e consistente, a fim de desenvolver a autoconsciência e humildade necessárias para continuar a evoluir como líder.
O feedback pode e deve vir de colegas, funcionários, gestores e até mesmo fornecedores com quem trabalha. E se tem filhos ou um canal aberto de comunicação com o seu cônjuge, o feedback que lhe dão sobre si em casa quase sempre reflete a sua “persona” de liderança.
Dito isto, deve ser exigente no que diz respeito a quem pede feedback construtivo. Enquanto mulher no setor aprendi, da forma mais difícil, que nem todo o feedback construtivo é criado de forma igual. Saiba quem é, quais são seus pontos fracos. O feedback que se destina a alterar a sua essência, ou tenta moldar os seus valores éticos numa direção com a qual não está confortável deve ser imediatamente descartado! O feedback que mina a sua confiança por esmiuçar aspetos que não importam no grande esquema dos seus objetivos profissionais e pessoais deve entrar por um ouvido e sair pelo outro. Mas o feedback que o deixa um pouco desconfortável, que o desafia a ser uma versão melhor de si mesmo, que exige trabalho duro real para incorporar e esticar os seus limites – é um verdadeiro dom, a ser estimado e recebido de braços abertos.
03-02-2016
Lúcia Soares, vice-presidente de healthcare technology strategy na Johnson & Johnson (J&J) nos EUA, é responsável pela coordenação e priorização dos esforços de inovação em tecnologia de saúde na companhia, fazendo a ligação com os objetivos críticos de negócio que aceleram o crescimento. Nos últimos 13 anos a luso-americana ocupou cargos de crescente responsabilidade na área de TI da J&J, com a criação de estratégias de sistemas de tecnologia, priorizando os portefólios de iniciativas de sistemas e fornecendo soluções. Antes esteve na empresa de consultoria em marketing interativo SBI, onde chefiou as áreas de project management office e de experiência do utilizador.
Filha de imigrantes açorianos, casada e mãe de duas meninas, vive em San Jose, na Califórnia, EUA. Inspirada pela literatura, línguas, e a comunidade, tem um mestrado em Administração de Empresas pela Universidade Estadual de San Jose, um mestrado em Literatura pela Universidade da Califórnia, e é bacharel em Línguas Estrangeiras pela Universidade Estadual de San Jose.