De CEO para estagiário: “Been there, seen that, done that…”

De CEO para estagiário: “Been there, seen that, done that…”
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O vinho é um dos setores que mais me fascina na economia portuguesa: como foi possível revolucionar um dos setores mais tradicionais e atrasados da nossa economia em apenas 20 anos?

Há semanas coloquei essa pergunta a um empresário do setor: afinal o que fez realmente a diferença? Como em todas as revoluções, não foi apenas um fator; foi uma conjunção deles: uma nova mentalidade de gestão, a entrada de mulheres na enologia (que contribuiu para criar novos produtos), a chegada de jovens ao setor…. 

Quando tentei perceber melhor o seu ponto de vista, atirou-me com um exemplo: “Olhe, a Sara (nome fictício) é enóloga e está connosco há mais de dez anos. Sabe como começou? Como estagiária”. Ok, pensei para mim: conheço muita gente que começa como estagiário e vai trepando por ali acima, assumindo funções cada vez mais importantes. Isso não é nada de extraordinário. “Qual o contributo dela para a empresa, ou para a revolução no setor vitivinícola”, questionei. Resposta: “Olhe, quando ela tinha 22 anos criou o seu primeiro vinho. Não porque eu a tivesse desafiado para isso, mas porque ela achou que conseguiria criar um produto diferente”. 

“E criou”, perguntei. “Sim. E bom”. Fiquei a pensar no assunto, tentando perceber a dimensão do feito. E não encontrei melhor forma para o fazer do que comparar a façanha da Sara com aquilo que eu próprio fiz nos primeiros anos da vida profissional. E não, não encontrei nenhuma revista ou jornal que eu, enquanto estagiário, tivesse criado. Sendo assim, concluí, era melhor dar algum crédito à Sara. Afinal não é qualquer um que, aos 22 anos, mal ingressado na vida empresarial, consegue ter a maturidade suficiente para dizer “Eu quero fazer um produto novo” e tornar esse sonho realidade.

Mas deixemos o mérito da Sara de lado para olhar para o problema de outro ângulo: alguma coisa permitiu que a estagiária tivesse a oportunidade de materializar o seu sonho. Foi a maturidade de quem estava acima dela. Isto é, do CEO. E não foi tarefa fácil. Eu explico… 

Quem está no topo das empresas precisou de tempo e esforço para lá chegar. Isso dá uma sensação de poder e de conhecimento que leva essas pessoas a tornarem-se prisioneiras de si mesmas: afinal o que sabe um estagiário que um CEO não saiba? Por que há-de ele confiar em alguém que só agora chega ao mundo empresarial, com lacunas em muitas áreas (particularmente na comercial)? “Been there, seen that, done that… Right? No, wrong”. Quem entra numa empresa pode trazer “fresh thinking”. O desafio é canalizar esse “fresh thinking” de forma a torná-lo gerador de valor. 

E foi isso que me chamou a atenção na conversa com aquele CEO: a Sara triunfou. Mas não apenas por causa da sua ambição (talvez o elemento crítico para subir na vida). Triunfou porque do outro lado estava alguém que olhava para ela jovem como o futuro da empresa. Quando perguntei ao CEO o que o tinha levado a confiar em alguém sem “soft skills” (fresh from college), a resposta foi desarmante: “Camilo, foi a consciência de que dentro de uns anos eu estarei fora do mercado. A minha missão é treinar estes jovens para eles um dia me dizerem aquilo que já não sou capaz de perceber nos consumidores”. Bingo!go!

 


Camilo-Lourenço-FotoNovaCamilo Lourenço é licenciado em Direito Económico pela Universidade de Lisboa. Passou ainda pela Universidade de Columbia, em Nova Iorque e University of Michigan, onde fez uma especialização em jornalismo financeiro. Passou também pela Universidade Católica Portuguesa. Comentador de assuntos económicos e financeiros em vários canais de televisão generalista, é também docente universitário. Em 2010, por solicitação de várias entidades (portuguesas e multinacionais), começou a fazer palestras de formação, dirigidas aos quadros médios e superiores, em áreas como Liderança, Marketing e Gestão. Em 2007 estreou-se na escrita, sendo o seu livro mais recente “Saiam da Frente!”, sobre os protagonistas das três bancarrotas sofridas por Portugal que continuam no poder.