Arménio Rego: O que destruiu Dominique Strauss Kahn e Madoff foi a intemperança e a imprudência

Arménio Rego: O que destruiu Dominique Strauss Kahn e Madoff foi a intemperança e a imprudência
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Arménio Rego, especialista em gestão e várias vezes premiado na área da liderança, refere que "Uma organização na qual não se pode errar acabará, mais cedo ou mais tarde, por falhar pois o erro é inerente à experimentação e à inovação" e que "o empowerment, tantas vezes apregoado como best practice, pode ser perverso numa cultura como a chinesa".


Líderes eficazes num dado país não o são necessariamente noutro. (...) O empowerment, tantas vezes apregoado como best practice, pode ser perverso numa cultura como a chinesa.



Portal da Liderança (PL):  O seu artigo “Authentic leadership promoting store’s performance” foi premiado em 2013 na Indonésia. Como é que a prática da liderança pode potenciar os resultados alcançados?

Arménio Rego (AR): A liderança autêntica não representa uma revolução, nem é fruto de qualquer revelação. É apenas a prática assente na integridade, na transparência, na confiança e na capacidade do próprio líder de compreender as suas forças e as suas fraquezas, e de respeitar as dos outros. O estudo premiado (em parceria com Dálcio Reis Júnior e Miguel Pina e Cunha) envolveu 591 colaboradores de 68 lojas de uma grande cadeia de retalho brasileira. Os resultados sugerem que as lojas cujos líderes são éticos e mais autênticos, são mais eficazes nos objetivos de vendas. Esse efeito ocorre porque os líderes mais autênticos promovem a virtuosidade (isto é, a confiança, o apoio mútuo, a integridade e o otimismo) das suas equipas, a qual aumenta o sentido de eficácia coletiva que, por seu turno, estimula o desempenho nas vendas.

PL: Também em 2013, viu reconhecido na Turquia o seu artigo Building your self: A sensemaking approach to expatriates adjustment to ethical challenges. Em tempos em que cada vez mais se lideram equipas multiculturais e noutras culturas dominantes que não a do gestor, o que é preciso não esquecer e acautelar para obter um bom desempenho?

AR: Líderes eficazes num dado país não o são necessariamente noutro. A história das multinacionais (e de empresas portuguesas que se vão internacionalizando) está repleta de rotundos fracassos gerados pela incompreensão dessa realidade. Permitam-se-me alguns exemplos simples. Primeiro: o estilo de liderança napoleónica francesa poderá gerar resistências na Suécia, mas o estilo informal e de proximidade mais típico da Suécia poderá ser interpretado como fraco na França. Segunda: o empowerment, tantas vezes apregoado como best practice, pode ser perverso numa cultura como a chinesa, onde os empregados tenderão a esperar que o líder decida (em vez de lhes propor que sejam eles a decidir!). Esta realidade requer duas medidas fundamentais. Primeira: selecionar devidamente os líderes que partirão em missão para outras culturas. Segunda: formar e desenvolver esses líderes, tanto antes da partida como nas fases iniciais da missão. Erros de casting podem custar milhões.

PL: Entre os seus livros e artigos encontramos o estudo da liderança virtuosa. Vale mesmo a pena ser um líder virtuoso ou no final não compensa?

AR: Clarificarei três pontos prévios. Primeiro: ser virtuoso não é ser santinho. Segundo: as virtudes são, simplesmente, inclinações dos indivíduos orientadas para fazer o bem, e que se aperfeiçoam com o hábito (não com sermões). Terceiro: a virtude está no meio. O excesso de uma virtude é um vício. Por exemplo, o excesso de determinação é obstinação, e o excesso de prudência conduz à inação. Agora, mostrar-lhe-ei porque “vale a pena”. Pensemos em Dominique Strauss Kahn: a sua “eficácia” desvaneceu-se devido à sua intemperança. Madoff é outro exemplo paradigmático. Ambos eram dotados de inteligência e de competências técnicas e sociais. O que os destruiu foi a intemperança, a imprudência. Os líderes que dirigem organizações lucrativas que geram o bem são corajosos, determinados, humildes e ambiciosos (isto é, humbiciosos), prudentes, autoconfiantes (mas não excessivamente), amantes da aprendizagem, honestos (mas não radicais) e orientados por um propósito valioso. Isto é ser virtuoso!

PL:  E desenvolver uma liderança positiva? Quais os ganhos que acarreta e de que forma é que deverá ser praticada?

AR: A liderança positiva não representa qualquer varinha de condão. É apenas uma abordagem que, em lugar de considerar a liderança como loja de reparações, encara as organizações e as pessoas como repletas de potencial à espera de ser aproveitado. Punir, repreender e apontar falhas é importante. Mas é errado despender todas as energias a “punir, repreender e apontar falhas”. O que se requer é que os líderes sejam multiplicadores de talentos – e não diminuidores. Uma organização na qual não se pode errar acabará, mais cedo ou mais tarde, por falhar. O erro (honesto) é inerente à experimentação e à inovação. O que importa é errar depressa e em pequena escala – para que fracassos maiores não ocorram. Irrealismo? De modo algum! A OutSystems norteia-se por uma regra assim enunciada: “At OutSystems errors are acceptable. How are you going to learn if you don’t make mistakes? Just make sure that you learn from those mistakes and that those mistakes do not end up in a major crisis. Fail fast and fail cheaply, but don’t be afraid of trying. Be proactive.” (Na OutSystems as falhas são admitidas. Como é que irá aprender se não errar? Assegure-se apenas de que aprende com essas falhas e que estas não dão origem a uma grande crise. Falhe depressa e falhe barato, mas não tenha medo de tentar. Seja proactivo.")

PL: É um dos autores do livro Superequipas. Como deverá a inteligência emocional do líder ser desenvolvida para potenciar melhores equipas de trabalho?

AR: Um líder desprovido de inteligência emocional é cego ao ambiente emocional da equipa e pode minar a motivação da mesma se ele próprio não for capaz de gerir devidamente as suas emoções. Diferentemente, um líder emocionalmente inteligente sabe gerir as tensões emocionais no seio da equipa, promove e faz uso do entusiasmo da equipa, coloca-se na pele dos indivíduos, não para ser simplesmente simpático, mas para compreender como mobilizar as respetivas energias. Um exemplo paradigmático de líder emocionalmente inteligente é Lincoln, o 16º presidente dos EUA, grandemente reconhecido por ter feito passar a 13ª emenda constitucional (que aboliu a escravatura), e que continua a ser amado por numerosos americanos. O dom de Lincoln ajudou-o a compreender e a persuadir correligionários e adversários. Permitiu-lhe transformar os contactos pessoais com os soldados na frente da batalha em momentos de encorajamento. Ajudou-o a compreender o sofrimento e a privação de liberdade de que eram alvo os negros escravizados. O seu génio político deve muito à empatia – a que se juntaram virtudes como a honestidade, o perdão, a determinação e a coragem.

PL: Qual o balanço que faz da prática da gestão em Portugal?

AR: As generalizações são perigosas. Mas creio que podemos melhorar se formos mais organizados. Se os líderes se preocuparem em dar o (bom) exemplo, em vez de apenas fazerem belos sermões. Se o mérito, e não o penacho, for mais premiado. Se forem partilhados com os empregados, não apenas os sacrifícios, mas também os dividendos alcançados com esses sacrifícios. Se o tempo for gerido de modo mais apropriado (todos os dias se perdem milhões de horas como consequência da falta de pontualidade e da má condução de reuniões!). Se se destruir metade da montanha burocrática e se centrar mais o foco nos resultados. Se a confiança se transformar em ativo fundamental em que líderes e liderados investem continuamente.

PL:  O que procuram hoje as empresas num líder? 

AR: Muitas vezes, procuram soluções milagrosas provindas de líderes heroicos. Frequentemente, o resultado é o fracasso. As empresas precisam de líderes virtuosos (isto é tenazes, sérios e competentes) – mas também de liderados competentes, empenhados, sérios e respeitados. As guerras ganham-se com generais e soldados.

PL: O que recomenda aos gestores da lusofonia para exercerem uma melhor liderança? 

AR: Premeie-se mais o mérito. Partilhem-se os resultados com quem os produz – isto é, líderes e liderados. Faça-se boa gestão do tempo. Cultive-se a integridade e a confiança. Promovam-se os colaboradores verdadeiramente leais, com pensamento crítico e independente, e não os yesmen e os acólitos bajuladores. Preste-se mais atenção aos resultados – e destruam-se processos burocráticos que dificultam o alcance desses resultados. 

PL: Onde mais tendem a falhar os líderes? 

AR: Quando matam o mensageiro das más notícias. Quando se resguardam nas suas torres de marfim e não conhecem a realidade do terreno (o chão da fábrica, a vida concreta dos seus empregados). Quando pregam uma regra e são os primeiros a incumpri-la. Quando diminuem talentos, em vez de os multiplicarem. Quando desaproveitam potencial contido nas pessoas. Quando estão apenas presentes para punir e reprender, e se ausentam na hora de elogiar e premiar. Quando não partilham com os empregados o fruto do trabalho de todos.

PL: Qual o líder nacional ou internacional cuja liderança destaca e porquê? 

AR: Tenho três paixões: Lincoln, Mandela e Suu Kyi. Porquê? Porque dedicaram uma parcela das suas vidas a uma causa maior que eles próprios, com grandes sacrifícios pessoais e familiares. Por serem dotados de um vigor moral contagiante. Porque souberam perdoar aos seus adversários, assim assegurando a prossecução da missão maior. Por terem revelado uma coragem (física, moral, emocional, mental) extraordinária, combinada com sensatez e prudência. Porque foram capazes de chegar a compromissos morais em prol da causa maior. Porque, na adversidade, mantiveram intacta a “coluna vertebral”, muitas vezes com humor.

PL: Qual a situação que o fez aprender mais em termos de liderança e o que aprendeu? 

AR: Manter-me-ei fiel a uma das paixões! Não direi que foi a situação que mais me ensinou – mas foi a leitura que maior mudança provocou em mim no que concerne às minhas conceções sobre liderança. Ao ler a colossal biografia da autoria de Goodwin, senti-me inebriado pelo sentido de missão que moveu Lincoln desde cedo. Deslumbrei-me com o extraordinário sentido de humor de um homem que, paradoxalmente, era melancólico. Fiquei tomado pela genialidade de um líder que, para benefício do seu país, constituiu um governo repleto de seus anteriores rivais. Lincoln era um homem bom e reto, dotado de grande resiliência. Era honesto sem ser radical. Tolstoy escreveu que Lincoln “foi maior do que o seu país – maior do que todos os presidentes juntos… e, como uma grande personagem, viverá tanto tempo quanto viverá o mundo”. O conhecimento da História (de histórias como a destes líderes) deveria ser obrigatório nos cursos de gestão!

 


Armenio-Rego-2Arménio Rego é doutorado e agregado em gestão. Professor na Universidade de Aveiro, é autor ou coautor de mais de quatro dezenas de livros nas áreas da liderança e da gestão de pessoas. É também autor ou coautor de mais de uma centena de artigos, sobretudo em revistas internacionais nas áreas do comportamento organizacional e da liderança/gestão de pessoas. Tem desenvolvido projetos de consultoria nestas áreas, e realizado dezenas de conferências, seminários, workshops e eventos de formação de executivos. Foi agraciado com diversos prémios, em Portugal e no estrangeiro.