Como baralhar o mercado com ruído estratégico

Como baralhar o mercado com ruído estratégico
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Há empresas que recorrem a anúncios habilmente programados no sentido de controlar a reação dos mercados. É o chamado ruído estratégico.

No dia 23 de outubro de 1996 a AT&T anunciou que John Walter, um executivo de fora do setor, seria nomeado CEO. E a avaliação da empresa caiu em 4 mil milhões de dólares (3,8 mil milhões de euros ao câmbio atual). No livro “Searching for a Corporate Savior: The Irrational Quest for Charismatic CEOs”, Rakesh Khurana, professor na Harvard Business School, refere que a reação negativa por parte do mercado financeiro tornou-se numa espécie de profecia, fazendo com que o conselho de administração e outros executivos de topo perdessem a confiança em John Walter, que acabaria por se demitir nove meses após ter assumido o cargo. 

O comportamento em bolsa é usado com frequência para julgar se as medidas de uma empresa são bem-sucedidas. A forma como os acionistas reagem a um grande anúncio (como a nomeação de um CEO ou uma aquisição de grande envergadura) pode ter um impacto prolongado sobre esse mesmo evento. Neste sentido, as organizações tentam antecipar e gerir as reações do mercado às principais notícias ao avançarem com outras informações importantes por volta da mesma altura – é o denominado “ruído estratégico”.

Aliás, antes de comunicar a nomeação de um CEO, os líderes tentam evitar o tipo de reação negativa que obteve o anúncio de John Walter. E as empresas são mais propensas a emitir comunicados importantes (positivos e negativos) nos dias à volta da sucessão de um CEO do que nos meses anteriores. Isto de acordo com um estudo realizado por investigadores americanos junto de 601 companhias. 

Os resultados sugerem que, ao anunciar a nomeação de um CEO juntamente com outras notícias importantes (como os resultados anuais da companhia ou uma mudança na política de dividendos) se torna mais difícil apontar que a reação imediata em bolsa tem por base o que os acionistas sentem a respeito do novo CEO. Ou seja, se a reação for boa, a empresa pode usá-la como um exemplo de que o mercado está a receber bem o novo CEO; mas, se for má, pode sempre afirmar que está relacionada com outros comunicados da mesma altura. O ruído estratégico fornece à organização, e ao novo CEO, uma escapatória.

Entretanto, os autores (professores universitários) levaram a cabo um segundo estudo com o intuito de verificar se o ruído estratégico de uma empresa é poderoso o suficiente para realmente mudar a reação do mercado a anúncios como aquisições. Uma grande quantidade de pesquisa sugere que, em média e ao longo do tempo, os acionistas reagem de modo negativo quando uma companhia anuncia que adquiriu outra empresa. Por exemplo, o mercado reagiu de forma rápida e negativa quando a Google anunciou a aquisição da Android em 2005, embora o negócio se tenha transformado num grande sucesso.

Os docentes avançaram então com a hipótese de que os líderes tentariam antecipar a reação negativa, trabalhando ativamente para a minimizar ou tornar positiva, comunicando informação não relacionada num esforço de influenciar a reação do mercado ao anúncio de aquisição. Os investigadores testaram a ideia com uma amostra de cerca de 800 aquisições nos EUA, e os resultados foram publicados no Academy of Management Journal. Tal como no estudo anterior, verificou-se que houve uma queda de 1,4% no valor das ações das empresas logo após os anúncios de aquisição. E apurou-se que, por comparação com os meses anteriores, as empresas tinham 482% mais probabilidade de comunicar um evento positivo significativo (por exemplo, ter superado a previsão de lucro ou um aumento nos dividendos), ao mesmo tempo que lançavam a notícia da aquisição. Mas também tinham menos 40% de probabilidades de comunicar um evento significativo negativo (como a queda nos ganhos ou a recolha de um produto) nos dias antes do anúncio. Estes resultados confirmam e ampliam o primeiro estudo, em que as empresas tentam preparar a reação do mercado financeiro aos anúncios de aquisições.

Os professores descobriram ainda que os anúncios positivos influenciaram a reação do mercado em torno do momento do anúncio de aquisição. Se uma companhia lançava dois comunicados positivos, a reação negativa do mercado à aquisição era reduzida, em média, de -1,4% para -0,8%, o que, na amostra que estudaram, representava cerca de 246 milhões de dólares (231 milhões de euros) em valor de mercado. Assim, uma empresa podia minimizar a reação negativa em quase um quarto de mil milhões de dólares se lançasse dois comunicados positivos na mesma altura do anúncio de aquisição.

Os docentes afirmam que, com estes dois estudos, aprenderam que “as companhias não estão à espera de modo passivo que o mercado reaja às suas ações”. Antes pelo contrário, “estão bem conscientes de como o mercado pode reagir ao que fazem, e tentam, proativamente, tomar medidas para influenciar e controlar essas reações”.

As empresas podem tentar este tipo de abordagem quando se trata de press releases sobre ganhos, anúncios de novos produtos, comunicados sobre processos judiciais, ou outro caso em que saibam com antecedência que vão ter um evento importante. Por vezes o objetivo pode ser simplesmente turvar as águas para que os líderes possam interpretar a reação do mercado de uma forma que é mais benéfica para a organização. Ou podem tentar alterar a reação do mercado, mesmo que o melhor que possam fazer é reduzir a dimensão de uma reação negativa.

Fonte: HBR

17-04-2018


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