O colapso de Musk

O colapso de Musk
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Elon Musk vai ficar na história como um mega empreendedor em série do outro mundo, mas, à velocidade terminal a que vai de momento, está prestes a tornar-se num case study em termos de má gestão.

Jonathan Littman

Esta foi a forma como, no início de agosto, a celebridade tecnológica de Silicon Valley conduziu na direção de uma mega confusão. Acordou após ter passado a noite com a namorada pop star [a cantora e compositora canadiana Grimes]. Saltou então para um dos seus Teslas e carregou no acelerador. No caminho, twitou umas quantas palavras impensadas e um número, que levaram a Securities and Exchange Commission a avançar com uma investigação: “A considerar tornar a Tesla privada por 420 dólares. Financiamento garantido.” O deus geek conhecido como Elon Musk está a ficar fora de controle. Alguém, por favor, agarre o volante? 

Musk vai ficar na história como um mega empreendedor em série do outro mundo, mas, à velocidade terminal a que vai de momento, está prestes a tornar-se num case study da HBR em termos de má gestão. A meio do mês, e no meio de um mea culpa com muita divagação, deu uma entrevista ao "The New York Times", durante a qual se emocionou várias vezes e demonstrou pouco arrependimento pelo seu hábito juvenil no Twitter (recentemente atacou de modo imprudente analistas financeiros, e antes tinha difamado um dos membros da operação de salvamento das crianças da equipa de futebol da Tailândia chamando-o de “pedo” [abreviatura de “pedófilo”]). O desmoronamento público de Musk levou membros da sua administração a sugerirem ao Times que ele estaria a abusar de Ambien, um sedativo com efeitos colaterais imprevisíveis e perigosos apelidado de “aspirina do diabo” devido à alegada propensão para estimular o mau comportamento.

Incrivelmente, Musk surgiu com o valor de 420 dólares do nada, de acordo com o Times. Não havia financiamento. Nenhum acordo apalavrado. Sim, ele tinha mantido contacto com sauditas. Considerou até que a sua SpaceX “apoiasse financeiramente a privatização”. Mas Elon Musk estava apenas a sonhar, disparando mais um dos seus tweets desgovernados. As ações da Tesla subiram 10% naquele dia, para 379 dólares, após o que a Nasdaq interrompeu a sessão. Os investigadores da SEC começaram a fazer perguntas e, em seguida, dispararam com intimações. E as ações da Tesla caíram a pique, registando o pior resultado em dois anos, encerrando aquela semana com uns vulneráveis 305,50 dólares, na mira da venda a descoberto. 

Mas, por mais que as disputas pessoais de Musk pareçam saídas de um tabloide, não há nada de engraçado no seu declínio mental e emocional. A entrevista no Times é preocupante, em que o empreendedor “alterna entre lágrimas e riso”, afirma ter trabalhado “até 120 horas por semana” e está a preparar-se para “pelo menos alguns meses de tortura extrema por parte dos vendedores a descoberto, que estão a forçar desesperadamente uma narrativa que poderá possivelmente resultar na destruição de Tesla”. Muitos jornalistas sérios contestam que Musk não cumpriu as suas muito inflacionadas promessas, e que o Modelo 3 está atrasado e é caro. A sua resposta: antagonizar os “grandes media”. Não está a funcionar. E os fãs da Tesla estão a derrapar lado a lado com a credibilidade de Musk.

As más companhias e os medicamentos parecem ser responsáveis ​​por boa parte da loucura. O Ambien pode estar por detrás dos tweets insensatos de Musk, sugere o Times, referindo que os membros da administração disseram que “a droga não adormece Musk, mas contribui para as sessões de Twitter a altas horas da noite.” Este é um pensamento assustador, dado que uma série de celebridades, de Tiger Woods a Roseanne Barr, passando por Charlie Sheen, culparam o medicamento pelo comportamento comprometedor das suas carreiras.  

O sono é saudável e essencial, e uma vida desequilibrada para um CEO traduz-se numa empresa desequilibrada. Seria de pensar que Musk, que se orgulha dos seus dias rigorosamente agendados e da sua rotina de exercícios – e que foi comparado a Tony Stark, o “Homem de Ferro” – entendesse este conceito. A velocidade mata, e até as equipas que participam nas 24 horas de Le Mans precisam de três pilotos para manter o carro na estrada. Mas Musk deixou bem claro nos últimos tempos que ainda está em negação, e nada menos que uma intervenção do conselho de administração o irá salvar. Quase parece que ele aceitaria a ajuda, como declarou ao Times numa explosão maníaca que levou as ações da Tesla para uma espiral ainda mais baixa: “Se tiver alguém que consiga fazer um trabalho melhor, por favor diga-me. Eles podem ficar com o trabalho. Há alguém que possa fazer o trabalho melhor? Eles podem ficar com as rédeas agora mesmo”. 

A ficar sem potência
“Ele é louco?”, perguntava a 16 de agosto a jornalista de negócios e tecnologia Kara Swisher, num artigo distinto e contextual sobre as suas interações com Musk, observando que a morte de Steve Jobs em 2011 “deixou Silicon Valley sem uma figura do herói imperfeito para elogiar, suscitar inveja e desdenhar... E foi Musk quem se tornou na escolha óbvia”. Ele debateu-se para estar à altura dessa responsabilidade, relata Swisher, sobretudo com as pressões adicionais da atual cultura louca por celebridades 24 horas por dia, 7 dias por semana. Muito simplesmente, o homem da energia está a ficar sem potência. 

Os pontos altos da vida de Musk são tremendos. Este é um homem que construiu foguetões e carros elétricos que poderiam combater a onda do aquecimento global, um homem que expôs visões arrojadas e futuristas de transporte. Mas é também um mortal que está tragicamente inconsciente de quão estranhamente o seu percurso está a imitar o mito grego de Ícaro.

Musk tem estado a voar muito perto do sol por muito tempo, e esta é uma trajetória que não termina bem. Espero que alguém consiga falar com ele e convencê-lo a descer do céu antes que seja tarde demais.   

30-08-2018

Nota: Tradução do artigo de Jonathan Littman originalmente publicado no hub de inovaçãSmartUp.lifeque reúne textos sobre empreendedorismo e inovação, incluindo este sobre polinização cruzada global, ou estes sobre a Lionesa e o Hub Criativo do Beato, entre outros.


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JonathanLittman2

Jonathan Littman, professor de inovação e empreendedorismo na Universidade de São Francisco, é autor bestseller (contando, entre as suas obras, com “As 10 Faces da Inovação”, escrita em coautoria com Tom Kelly, CEO da IDEO). O também fundador do hub de inovação SmartUp.life promove sessões e workshops interativos sobre, entre outros conceitos, inovação, empreendedorismo e design thinking.