Os melhores líderes são os da administração pública? Então!?

Os melhores líderes são os da administração pública? Então!?
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Uma análise criteriosa e independente de condicionantes ideológicas (relevante para outra dimensão de debate) leva a concluir que podemos ter dos melhores líderes do país na administração pública.

Carlos Oliveira

Estou convencido de que a maior parte dos gestores do setor privado não resistiria muito tempo na administração pública. Se isto for mesmo assim, o que deveria fazer o país em relação a estas pessoas-chave para o seu futuro?

Só os mais resilientes e competentes sobrevivem
Os líderes na administração pública têm de gerir uma enorme complexidade de matérias, com vasto impacto na vida de muita gente, dentro de uma burocracia pesada que lhes é imposta por lei (e não é da sua escolha). Qualquer erro tem consequências de elevado impacto para a sociedade. Têm de se adaptar às oscilações constantes do poder político eleito, indo por vezes em direções completamente opostas de anteriores políticos. Conciliar legitimidade política com racionalidade operacional faz parte do seu dia a dia. Em muitos casos, têm de formar e apoiar os novos políticos em matérias da administração pública. As horas de trabalho são longas. Os instrumentos de comando dos funcionários públicos a seu cargo são limitados de incentivos e penalizações. Têm de liderar e gerir pessoas sem esses instrumentos, abundantes no setor privado. As camadas de hierarquia são infindáveis, em contraste com a maior parte das empresas privadas.

No entanto, os mecanismos de reconhecimento interno ou público são quase inexistentes. A remuneração é baixa em relação ao nível de responsabilidade, ao pragmatismo e conhecimento tácito necessário (que não se ensina em nenhuma escola de gestão ou de MBA), e às longas horas de trabalho.

Lemos nos livros de gestão e ouvimos os vários gurus a falarem da importância da criatividade, da inovação, do assumir o risco e da aceitação do erro nas empresas. O mesmo é e tem de ser tratado de forma diferente na administração pública.

A opinião pública nota quando algo falha na administração pública, mas dá por adquirido quando tudo funciona bem, ou quando os serviços são modernizados e melhorados.

Sei disto por experiência própria. Quando estive na UMIC – Unidade de Missão Inovação e Conhecimento lidei com pessoas motivadas por um extraordinário espírito de missão, dedicadas à causa pública, que tinham pensado e proposto soluções que por vezes ficavam nas gavetas do poder político. A administração pública pararia sem a vontade própria e individual destas pessoas.

Implicações para o bem-estar da nossa sociedade
Esta tomada de consciência tem imensas implicações. Ressalvo apenas quatro.

Em primeiro lugar, já o recomendei antes, deveria haver um programa de formação de elevado impacto temporal (de uma ou duas décadas) de um conjunto previamente definido e bem selecionado de dirigentes da administração pública central e de institutos públicos (depois também da local, mas num outro modelo) e de gestores das empresas públicas. Digamos uns 200, representativos de várias idades, setores e competências. Nas melhores escolas mundiais de administração pública, com contextualização e síntese no INA – Instituto Nacional de Administração (também ele alvo de modernização e formação nas melhores escolas mundiais). Um investimento significativo – parte do dinheiro de fundos comunitários que está espalhado por micro formações, por vezes desarticuladas –, deveria ser mobilizado para este projeto de grande impacto nacional, de uma ou duas décadas.

Em segundo lugar, a modernização da administração pública (ou a chamada “reforma da administração pública”, nome mítico, mas demasiado politizado e vazio, que quer dizer coisas diferentes para pessoas diferentes), deve ser baseada na identificação, preparação, empoderamento e apoio a líderes da administração pública que vão efetivamente fazer a dita reforma do Estado, i.e., campeões operacionais que fazem as coisas acontecer, para além do discurso político (desagregador em muito casos) e do debate público (difuso e inconsequente).

Em terceiro lugar, devemos remunerar adequadamente e empoderar aqueles que são de facto os mais importantes fautores do bem-estar público. A crítica generalizada e fácil, o desprestígio e o controlo excessivo sobre os dirigentes da administração pública é o primeiro passo para não se fazer nenhuma reforma do Estado, ou melhor, modernização da administração pública.

Em quarto lugar, é preciso despartidarizar ao máximo a máquina do Estado e trazer maturidade política para o processo de modernização da administração pública. A prática de rotatividade de gestores públicos por motivos políticos menoriza os líderes. A permanente desvalorização ou mesmo suspensão da aplicação de medidas e modelos dos antecessores nos cargos do Estado tem um enorme custo para o bem-estar dos portugueses. Aqui sim, justifica-se um pacto de regime e mais maturidade democrática. Neste sentido, Maria Manuela Leitão Marques, ministra encarregue da modernização da máquina do Estado, com provas dadas, altamente competente, experiente e corajosa, deve ser apoiada por todos os partidos políticos (dentro dos limites da diferenciação política) e pelos agentes sociais mais importantes. Por seu lado, a sua ação deve ser o mais operacional e o menos política possível e inclusiva do que fizeram todos os Governos anteriores. O país precisa.

O novo paradigma da modernização da administração pública é mais tecnológico e operacional que político. Precisamos de fortalecer os líderes da administração pública e de controlar o jogo político, a bem das futuras gerações

18-04-2016 

CMO-PLCarlos Miguel Valleré Oliveira é CEO da LBC, empresa internacional de consultoria de gestão presente em países como África do Sul, Angola, Brasil, Cabo Verde, EUA, Espanha, Moçambique e Portugal. O antigo presidente da CCILSA – Câmara de Comércio e Indústria Luso Sul-Africana assina a rubrica "Ponto de Vista" no Portal da Liderança sobre os temas da liderança-gestão, economia-sociedade e inovação-empreendedorismo.