A falta de estabilidade… e o subdesenvolvimento

A falta de estabilidade… e o subdesenvolvimento

Portugal está entre as nações que olham para as empresas como entidades que devem ser toleradas; não estimuladas. Quem fizer a História económica do país dos últimos 40 anos encontra os maiores entraves às empresas.

Camilo Lourenço

Já perdi a conta aos artigos que escrevi para o Portal da Liderança sobre a necessidade de o país privilegiar o apoio às empresas. E não me refiro à criação de subsídios nem à promiscuidade entre Estado e empresas. Refiro-me a um princípio basilar do desenvolvimento económico: se são as empresas que criam emprego e riqueza, porquê complicar a sua vida? 

O problema é que há países que olham para as empresas com desconfiança. Como entidades que visam o lucro e que, por isso, devem ser toleradas; não estimuladas.

Portugal está neste grupo. Quem fizer a História económica do país das últimas quatro décadas encontra os maiores entraves às empresas. Primeiro foi o PREC, em 1975, que terminou com uma onda de nacionalizações que destruíram o pouco capital que o país tinha. Depois passaram-se 14 anos para eliminar da Constituição a obrigatoriedade de o Estado deter mais de 51% das empresas que nacionalizara. E como se os disparates não fossem suficientes, assistimos, em 2016, a dois erros gravíssimos: a inversão do processo de privatizações, com a reversão da venda da TAP, e o regresso da incerteza fiscal relativamente à tributação das empresas.

O primeiro ponto revela uma penalizadora falta de consenso no país, sem paralelo em qualquer outra nação da União Europeia (com exceção da Grécia, mas esse é um exemplo que não devíamos emular). Com consequências, a médio prazo, para a atratividade do país como destino de investimento estrangeiro.

O segundo ponto não é menos importante. O Orçamento para 2016 consagra o fim da redução progressiva do IRC, que havia sido acordada entre PSD, CDS e PS: a ideia era colocar o imposto sobre os lucros das empresas entre 17 e 19% até 2019. E prevê ainda uma alteração do regime de tributação de mais-valias e dividendos (no “participation exemption”).

E, para a noiva não ficar sem parceiro, o Orçamento comete outro erro: altera o regime de reporte de prejuízos das empresas, que tinha sido fixado em 12 anos. O que é que isto significa? Que o prejuízo fiscal de determinado ano já não pode ser abatido nos 12 anos seguintes… mas em cinco. Agora imagine que é acionista de uma empresa que fez o seu planeamento para os próximos 12 anos tendo esse horizonte temporal. O que fica a pensar do Estado que patrocina esta alteração de expectativas?

Há poucas semanas citei aqui um investidor holandês que, em conversa comigo (para o livro “Fartos de Ser Pobres”), dizia que tínhamos dois problemas: falta de paciência (para fazer as reformas e esperar o tempo suficiente para colher os seus frutos) e falta de consenso (entre as principais forças políticas) sobre meia dúzia de princípios que influenciam o desenvolvimento. A questão fiscal, de que falámos acima, cabe claramente neste segundo ponto…

Só falta acrescentar que o mesmo investidor me lembrou também que, no seu país, a legislação que regula o regime fiscal das holdings é a mesma… há várias décadas.

10-02-2016

Camilo-Lourenço-FotoNovaCamilo Lourenço é licenciado em Direito Económico pela Universidade de Lisboa. Passou ainda pela Universidade de Columbia, em Nova Iorque, e a University of Michigan, onde fez uma especialização em jornalismo financeiro. Passou também pela Universidade Católica Portuguesa. Comentador de assuntos económicos e financeiros em vários canais de televisão generalista, é também docente universitário. Em 2010, por solicitação de várias entidades (portuguesas e multinacionais), começou a fazer palestras de formação, dirigidas aos quadros médios e superiores, em áreas como Liderança, Marketing e Gestão. Em 2007 estreou-se na escrita. No seu livro mais recente, “Fartos de Ser Pobres”, volta "a pôr o dedo na ferida", analisando os resultados eleitorais, os vários cenários políticos e os novos desafios para a economia.