O ketchup na liderança

O ketchup na liderança
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Quando vemos como os outros fizeram achamos que é fácil, sobretudo o caso dos outros, porque o nosso caso, obviamente, é sempre especial e complexo. Porquê? Umbiguismo.

Pedro Janeiro

Houve um tempo em que o ketchup vinha em garrafas de vidro. Naquela época a Heinz fazia anúncios com pessoas felizes a cantar enquanto batiam vigorosamente no fundo da garrafa de ketchup – era o tempo em que a Heinz investia em marketing a ensinar os clientes a tirar o produto de dentro da garrafa. Desde então, a Heinz fez algo extremamente difícil de fazer – focou-se no cliente. Virou a garrafa de pernas para o ar e substituiu o vidro por plástico flexível. O ketchup flui agora com facilidade, para conforto do cliente.

A história é um ovo de Colombo – quando vemos como os outros fizeram achamos que é fácil, sobretudo o caso dos outros, porque o nosso caso, obviamente, é sempre especial e complexo. Porquê? Umbiguismo. E nem o dicionário gosta do termo!

Quando desenhamos um serviço para um cliente, procuramos obter o que um líder tem de obter – eficiência e produtividade, e os requisitos de negócio, definidos pelos olhos de uma empresa, vão ao encontro destas duas palavras mágicas que filtram e eliminam ideias peregrinas. É a empresa a olhar para dentro.

Quando desenhamos um serviço a pensar na experiência do cliente, o filtro muda. Perante determinado posicionamento de mercado que pretendemos, é a perspetiva do cliente que ditará as escolhas do desenho do serviço. Outro ovo de Colombo para ilustrar o ponto – a Irlanda parecia um país periférico e secundarizado perante a poderosa Inglaterra mas, na indústria madura que é a aviação, redesenharam o serviço e criaram as duas maiores low costs mundiais, gigantes da aviação que se impuseram na Europa às companhias de bandeira.

O foco no cliente, que quase todas as empresas dizem ter, exige da liderança uma coragem invulgar, pois é preciso destruir preconceitos acumulados durante anos, décadas, sobre como funciona uma indústria, sobre o que é suposto serem as regras do respetivo mercado, sobre o que é suposto ser o senso comum prevalecente. Questionar tudo isto expõe o líder a escárnio, desdém, a rumores sobre cegueira e incompetência para o lugar.

Felizmente existe um amigo, por vezes elusivo, mas excecional do líder – o cliente. A voz do cliente tem um poder extraordinário numa empresa, porque, afinal, é o cliente que está a investir.

Nos últimos seis anos usei intensamente um conceito que ajuda os líderes a fazer a ponte com o cliente – design thinking – e tenho assistido ao seu crescimento em vários países europeus. Na Alemanha, em particular a indústria pesada e empresas de serviços, estão a abraçar o design thinking – a BMW, a SAP, a Siemens, a VW, a Continental, o Deutsche Bank, a RWE e outros grandes nomes estão a usar este conceito para ouvir e entender o cliente, e conseguir criar vantagens competitivas que influenciem as respetivas indústrias nos próximos anos.

Na minha experiência, trata-se de um caminho duro mas muito gratificante. Exige perseverança de médio e longo prazo, mas criar inovação parece que exige os tais 99% de transpiração. E contudo, a inovação não é para gestores – é para líderes, porque são eles que traçam os novos rumos. Os gestores irão depois tornar o novo rumo eficiente e produtivo no dia a dia.

 09-01-2017


Pedro Janeiro SmallPedro Janeiro, 44 anos, é diretor de inovação e marketing na Novabase. Professor convidado na Universidade Nova de Lisboa e na Molde University, na Noruega, é também coach de design thinking no DesignThinkers Group e membro do board do DesignersDNA (clube de empresas que utilizam o design tthinking como modo de gerar inovação). 
Começou por aprender design thinking na Universidade de Stanford, no entanto, antes de abraçar o mundo do design e da inovação trabalhou em multinacionais de consultoria de gestão, sendo a sua formação base em Gestão, primeiro no ISEG, em Lisboa, e depois na Sheffield Hallam University, em Inglaterra.
Guarda com orgulho uma guitarra Gibson Les Paul, com o objetivo de melhorar a sua prática musical.