Quando a criatividade não exige orçamentos milionários

Quando a criatividade não exige orçamentos milionários

É costume dizer-se que os portugueses são os mestres do “desenrascanço”. E não é apenas o cidadão comum. É uma caraterística que atravessa a nossa sociedade: até gestores e empresários costumam ser associados a esta ideia.

Camilo Lourenço

Eu não gosto do termo “desenrascanço”. Mas gosto de “flexibilidade”. Porque se já era importante na gestão, nos últimos anos ganhou importância ainda maior. Porque a realidade económica muda a frequência nunca antes vista. Isso obriga as empresas a serem ágeis. Ora a flexibilidade, aquilo em que nós somos bons, nunca teve terreno tão fértil para se afirmar como agora. Resolve tudo? Não. Gerir é muito mais do que tomar decisões rápidas. Os processos, por exemplo, são fundamentais para garantir eficiência e produtividade. E levam tempo a desenhar e a mecanizar na atividade diária de uma empresa.

O processo de modernização da economia portuguesa (abertura ao exterior, revolução no ensino...) levou a que o planeamento nas empresas tenha ganho peso na última década. Isso é muito importante. Mas é bom não perder de vista a capacidade que os portugueses têm de dar “golpes de rins” que permitem às empresas responderem com rapidez aos desafios com que se deparam.

Vem isto a propósito do vídeo filmado no Estádio da Luz, onde um conjunto de assistentes de bordo da companhia de aviação Emirates tenta replicar, em pleno estádio, e antes de um clássico do campeonato, a “performance” que desempenham nos aviões antes de cada descolagem. O vídeo é de uma espetacularidade chocante. E, filmado sem que os espetadores do jogo tivessem sido prevenidos, mostra genuína surpresa por parte de quem se deslocou ao estádio para ver o jogo.

Ao visionar o trabalho pela primeira vez dei comigo a pensar “Quanto tempo terão os promotores levado para ensaiar aquela coreografia?”. Dias, semanas, meses? Não. Uma hora. As assistentes de bordo desembarcaram do voo que aterrou em Lisboa à tarde e foram conduzidas ao estádio, onde lhes explicaram o objetivo do filme e a respetiva coreografia. A filmagem, com todos os riscos envolvidos, foi feita ao vivo: minutos antes de começar o jogo. E, portanto, sem hipótese de correções. O resultado... o resultado é o que poderá verificar ao clicar no link: uma obra-prima. Que teve um impacto brutal nas redes sociais (2,3 milhões de visualizações no YouTube até ao dia de ontem). Mais: o resultado foi tão bom que a Emirates resolveu replicar a ideia com outros clubes que patrocina nos campeonatos de vários países da Europa. Em Hamburgo, na Alemanha, por exemplo (embora com uma coreografia ligeiramente diferente). 

Primeiro ponto: não foi preciso gastar centenas de milhares de euros para produzir o filme.

Segundo ponto: uma ideia bem pensada pôde ser executada numa tarde.

Terceiro ponto: o projeto nasceu em Lisboa mas, graças à sua qualidade, foi rapidamente exportado.

Quarto ponto: tanto o Benfica como a Emirates beneficiaram grandemente com a “publicidade” gerada pelo filme e pela ideia.

Nem sempre é possível conseguir estes resultados? É verdade. As empresas não podem dispensar uma cuidadosa preparação das suas ações? Não. Mas o filme da Emirates confirma que, às vezes, a criatividade não precisa de orçamento milionário para se afirmar.

01-04-2016

CamiloOPCamilo Lourenço, licenciado em Direito Económico pela Universidade de Lisboa, passou pela Universidade Católica Portuguesa, bem como pela Universidade de Columbia, em Nova Iorque, e também pela americana Universidade de Michigan, onde fez uma especialização em jornalismo financeiro. Comentador de assuntos económicos e financeiros em vários canais de televisão generalista, é ainda docente universitário. Em 2010, por solicitação de várias entidades (portuguesas e multinacionais), começou a realizar palestras de formação dirigidas aos quadros médios e superiores, em áreas como liderança, marketing e gestão. Em 2007 estreou-se na escrita. No seu livro mais recente, “Fartos de Ser Pobres”, volta "a pôr o dedo na ferida", analisando os resultados eleitorais, os vários cenários políticos e os novos desafios para a economia.