José Luís Sequeira: A cerâmica portuguesa não está no top mundial só por ser interessante: tem design, qualidade e é inovadora

José Luís Sequeira: A cerâmica portuguesa não está no top mundial só por ser interessante: tem design, qualidade e é inovadora
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O presidente da direção da APICER - Associação Portuguesa das Indústrias de Cerâmica e de Cristalaria afirma que, quer seja na gestão, nos equipamentos ou nos produtos, Portugal tem o que de mais moderno há no mundo em termos de tecnologia cerâmica. E que alguma da tecnologia existente nas empresas portuguesas é única e desenvolvida no país, o que torna esta indústria atrativa para o capital externo. José Luís Sequeira considera no entanto que, entre outros constrangimentos, há demasiadas tutelas, dificultando o exercício da liderança e os investimentos a realizar.

Este é um setor que tem vindo a enfrentar sérios desafios ao longo dos anos – o pior já passou? De que forma a APICER tem vindo a apoiar os seus associados
?

Um setor com tantas tradições e tantos ciclos económicos como os que a cerâmica já atravessou tem resistências próprias que lhe permitem passar estas crises com natural preocupação, mas também com muita confiança no virar de página. Os empresários acreditam no que são capazes de fazer, tendo em vista sobretudo que os 158 países para os quais exportamos têm eles próprios os seus ciclos económicos que exigem uma grande capacidade de adaptação. Isto não significa que não fiquem feridas, que são no entanto sanadas com mais investimento, com mais inovação e com uma grande proximidade aos clientes internacionais, produzindo o que estes gostam, o que querem e o que está na moda. O mercado interno é importante mas é sobretudo no internacional, e na diversificação destes mercados, que reside a grande capacidade de resistência do setor. O papel da APICER nos contextos de crise tem portanto muito a ver com a informação que somos capazes de gerar para apoio à gestão, procurando também garantir a maior estabilidade possível dos fatores que podem influenciar negativamente a competitividade das empresas.

Da produção total, qual a percentagem destinada à exportação?
O setor de cerâmica reparte-se pelas áreas da construção e da decoração e mesa, sendo que a percentagem das exportações nos produtos ligados à construção ultrapassa os 60%, e na vertente doméstica de decoração e casa aproxima-se dos 80%. Nos produtos de cristalaria a percentagem das exportações ultrapassa mesmo os 80%.

Como promove a APICER o setor – que tipo de ações tem levado a cabo, a nível externo e interno?
A APICER criou uma referência para os produtos de cerâmica portuguesa, com a mensagem “Ceramics: Portugal does it better”. Tudo o que a APICER terá de fazer assenta estrategicamente na consolidação desta mensagem e no que ela comporta, reforçando sempre a sua credibilidade em quaisquer mercados. Teremos portanto de orientar a nossa atividade no sentido de promover a produção de cerâmica e da cristalaria nacionais, apoiando as empresas e os setores no país e no estrangeiro, nomeadamente através da organização de participações de empresas em certames internacionais. Uma ação importante que desenvolvemos centra-se na divulgação de informação estatística relevante e muito específica por mercados. No entanto, e para conseguir este resultado, é necessário também influenciar decisões a nível europeu, e estar muito atento a toda a envolvente interna em que se tocam áreas relevantes da nossa economia. A APICER tem promovido a execução de trabalhos setoriais importantes, nomeadamente nas áreas da energia e ambiente, bem como a edição de manuais de aplicação de produtos cerâmicos na construção. Promoveu ainda ações conjuntas nos domínios da cooperação empresarial e do redimensionamento de empresas, bem como a criação de um Agrupamento Complementar de empresas para o desenvolvimento de um novo modelo de tijolo de construção.

Quais são os seus objetivos enquanto presidente da APICER para este mandato?
Presidir à direção da APICER é uma missão muito mobilizadora, até porque faz apelo a vários compromissos, para os quais conto com uma equipa diretiva homogénea e conhecedora, muito orientada para as questões estratégicas do setor, nele considerando todo o património constituído por instituições de referência como são o Centro Tecnológico da Cerâmica e Vidro e o CENCAL - Centro de Formação Profissional para a Indústria Cerâmica. Por outro lado, e sendo um setor tradicional, conta com empresários de muito mérito, com espírito inovador e grande capacidade empreendedora. É muito desafiante fazer parte integrante deste conjunto, e gostaria muito de contribuir para a criação de um núcleo duro de empresários em torno da sua associação setorial. Isto tem a ver também com o aprofundamento de práticas associativas que envolvam de forma mais consistente as empresas e os empresários.

A entrada no mercado português de produtos que não cumprem normas de qualidade ou ambientais é uma ameaça?
Todas as situações que pressuponham o não cumprimento das regras da concorrência constituem ameaças para qualquer setor de atividade, tanto mais quanto se trata também e muitas vezes de ameaças para a própria saúde e/ou para o conforto dos seus utilizadores. No que respeita, por exemplo, à utilização de produtos destinados a conter alimentos, o recurso a agentes químicos não autorizados constitui um risco para a saúde, tal como na segurança, no ambiente e no conforto da habitação relativamente a produtos de revestimento cerâmico, inadequados em determinadas superfícies mais escorregadias. Em quaisquer circunstâncias, estas ameaças acontecem não só no mercado interno mas também no mercado externo, sendo que os consumidores estão cada vez mais informados e são cada vez mais exigentes quanto à melhor aptidão dos produtos ao seu uso.

A questão da energia continua a ser um constrangimento...
A questão da energia é um velho constrangimento, já que a transformação das matérias-primas exige elevados consumos de energia elétrica, mas sobretudo de gás natural, em cuja formação dos preços intervêm vários indexantes e vários impostos e taxas, cada um variando à sua maneira e de acordo com critérios que escapam a qualquer convergência, e até a alguma racionalidade. E se isto já não fosse extremamente penalizador para as empresas, é bom recordar o conjunto de obrigações acessórias decorrentes dos consumos de energia e que igualmente lhes são exigidas, e que têm a ver com restrições ambientais e com planos de racionalização de consumos, tudo a representar uma grossa fatia dos custos de produção que ultrapassa os 30%. Apesar dos esforços que temos feito, continuamos a ser um dos países europeus com o custo total do gás natural mais elevado! 


José Luís Sequeira APICER 2


Os artesãos são o aspeto mais tradicional de alguns segmentos, depois temos as empresas mais industrializadas e tecnologicamente avançadas – tradição e tecnologia são indissociáveis?
A cerâmica apresenta-se de facto representada quer na enorme capacidade criativa dos nossos artesãos espalhados por todos os pontos do país, quer no rigor da produção em ambiente fabril, com recurso a processos totalmente automatizados e robotizados. A tecnologia desenvolvida e utilizada pela indústria de cerâmica atinge níveis de elevada sofisticação, pelo que não menos sofisticado se torna o controlo do processo de fabrico, bem como todos os condicionalismos impostos em matéria de segurança e ambiente. Só assim se conseguem produtos da mais alta qualidade, quer nas coberturas com telhas cerâmicas, quer nos pavimentos e revestimentos ou na loiça sanitária, quer ainda nos produtos de mesa em cerâmica e na cristalaria. É bom referir que para tudo isto muito contribui a excelência das matérias-primas que temos.


Em relação à mão de obra industrial: é qualificada, ou, pelo contrário, é um ativo que escasseia e onde tem de se investir mais?
Face à utilização de tecnologias muito avançadas, a mão de obra industrial tem de ser necessariamente qualificada na grande maioria das operações. A oferta de mão de obra especializada é escassa, pelo que o recrutamento de quadros se torna difícil.


E na inovação – tem-se investido? Quais os bons exemplos que destacaria?
Sem dúvida que a inovação é uma das palavras-chave para competitividade das empresas, e é bem verdade que essa inovação aparece refletida no aumento sustentado do nosso volume de exportações sempre crescente. Sem inovação seria impossível conseguir aumentos constantes das exportações. Seja na gestão, nos equipamentos ou nos produtos, o que de mais moderno exista no mundo da tecnologia cerâmica também há em Portugal, sendo certo que alguma tecnologia existente em empresas portuguesas é por vezes única e desenvolvida no país. Bons exemplos desta inovação podem encontrar-se nas coberturas de edifícios em telha cerâmica, com características que melhoram o isolamento térmico e acústico, tal como nos pavimentos e revestimentos que, para além de melhorarem também o conforto da habitação, permitem soluções mais eficientes para a reabilitação de edifícios, e ainda nos aparelhos sanitários a utilização de soluções auto limpantes. Na loiça utilitária de mesa ou decorativa, a moda tem ditado os caminhos que as empresas vão satisfazendo, com coleções temáticas ajustadas aos hábitos e costumes dos consumidores em cada mercado.

Este ano os prémios de design alemães Red Dot Awards distinguiram um serviço e uma coleção de caixas da Vista Alegre/Atlantis, um lavatório da marca AMA Design, bem como um revestimento da Revigrés – o design no setor está bem e recomenda-se?
Os exemplos que referiu – com exceção da marca AMA Design que não pertence ao setor de cerâmica por trabalhar com resinas e não com materiais cerâmicos – podem felizmente ser replicados para outros produtos e outras empresas nacionais de cerâmica em qualquer mercado. A loiça de mesa portuguesa está presente nas melhores cadeias de hotéis de todo o mundo, os pavimentos e revestimentos estão nos edifícios mais requintados. Seguramente que a cerâmica portuguesa não está no top mundial só por ser interessante: tem design, tem qualidade e é inovadora. É também por tudo isto que esta indústria é atrativa para o investimento estrangeiro.

Como avalia as empresas portuguesas do setor em termos de liderança estratégica? Pode dizer-se que há diferentes estilos de liderança entre os segmentos?
Há diferentes estilos de liderança entre os segmentos, diferenças que resultam ou do subsetor em que se inserem, ou do tipo de produtos ou até de mercados. São lideranças que assentam em boas práticas de produção, de gestão e de responsabilidade social, descritas em várias publicações, e ao nível do que melhor se faz na Europa.

Quais os principais desafios que os líderes enfrentam de momento?
Há vários desafios, muitos deles de difícil resolução por dependerem de circunstâncias que influenciam o mercado internacional, e que não permitem setorizar as dificuldades e resolvê-las. Para além destas que já são pesadas, existem desafios que resultam de burocracias internas pouco entendíveis e até anacronismos que são conhecidos e identificados mas que ninguém resolve. Há demasiadas tutelas, cada uma pensando a seu modo, de maneira por vezes bastante discricionária, o que torna ainda mais complicado o exercício de gestão e até a previsibilidade dos investimentos a fazer. Quem lidera o mercado tem pelo menos o direito de reclamar que não se lhe atravessem obstáculos inúteis que fazem perder tempo, dinheiro e disponibilidade para garantir a continuidade dessa liderança. As empresas têm de produzir, vender e cobrar, de forma a poderem satisfazer os compromissos com os seus trabalhadores e fornecedores em geral. Todo o ruído que possa perturbar este conjunto de compromissos resulta em prejuízo para as empresas e para a economia nacional.

02-12-2015


Armanda Alexandre/Portal da Liderança


 

José Luís Sequeira, desde novembro de 2015 no cargo de presidente da direção da APICER - Associação Portuguesa das Indústrias de Cerâmica e de Cristalaria, tem um longo percurso nesta área, que remonta a 1976, ano em que se torna consultor jurídico da APICC - Associação Portuguesa de Industriais da Cerâmica de Construção. Quatro anos depois passa a secretário-geral da APICC. No final da década de 1990 assume a função de vice-presidente executivo da APICER, entra no CENCAL - Centro de Formação Profissional para a Indústria Cerâmica como membro do conselho de administração, e preside a Comissão Organizadora do Congresso Internacional da TBE – Fédération Européenne des Fabricants de Tuiles et de Briques. Já em 2009 ocupa a cadeira de presidente da CERTIF – Associação para a Certificação, torna-se membro da Comissão de Acompanhamento para o Desenvolvimento Económico da CIP - Confederação da Indústria Portuguesa, e membro do conselho de administração do CEDINTEC - Centro para o Desenvolvimento e Inovação Tecnológicos.