Daniel Bessa: Abrem-se perspetivas na área do fomento do empreendedorismo de base tecnológica

Daniel Bessa: Abrem-se perspetivas na área do fomento do empreendedorismo de base tecnológica
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Daniel Bessa, Diretor-Geral da COTEC Portugal,  sobre Portugal refere que continua "a não ver melhor do que cumprir o Programa que, juntamente com os credores institucionais, desenhámos em 2011", e apostar na "redução de despesa, mais do que no aumento de impostos" e que preconizaria "a adoção de medidas ativas de estímulo ao investimento".


Gostaria que 2014 assistisse a progressos sensíveis na Gestão do Conhecimento e na adoção pelas empresas de métodos mais sofisticados de avaliação dos seus investimentos em inovação.



Portal da Liderança (PL): É diretor da COTEC Portugal. Quais os maiores desafios que se lhe colocam no exercício das suas funções?

Daniel Bessa (DB): O maior desafio que se coloca no exercício das minhas funções é o de fazer perceber aos nossos Associados o valor que (acredito) somos capazes de lhes proporcionar. E, para que este desafio não acabe em “derrota pela certa”, de resto merecida, ser capaz de prestar a esses mesmos Associados um serviço com efetivo valor – tal como acontece em tantas outras organizações. Quem se queixa de um problema de perceção por parte dos seus “clientes”, mais e melhor deveria queixar-se de não ser capaz de lhes prestar um serviço adequado. Internamente, o desafio maior com que me confronto é o de ser capaz de levar a minha equipa a partilhar a visão e os objetivos que proponho para a organização, alinhando-a, sem o qual nada resultará. Nada, portanto, que não seja comum ao primeiro responsável por qualquer organização.

PL: Qual o balanço que faz do desenvolvimento e aposta na inovação em Portugal ao nível empresarial?

DB: Tenho referido, sem que esse resultado possa ser imputado exclusiva ou sequer predominantemente à atuação da COTEC Portugal, que, no final dos dez anos que levamos de vida, a inovação atingiu o lugar da maior relevância, pelo menos nos discursos sobre o nosso País e sobre as nossas organizações – não há hoje responsável político nem responsável empresarial, incluindo todos os de nível mais elevado, que, num discurso de índole estratégica, não realce a importância da inovação, seja para o País, seja para as nossas empresas. Tenho pena de que este aumento da importância atribuída à inovação não se tenha traduzido ainda nos resultados económicos que todos ambicionamos e de que tanto necessitamos: número e qualidade dos empregos criados, remunerações distribuídas, valor acrescentado pelas empresas, intensidade tecnológica das exportações de mercadorias, intensidade em conhecimento das exportações de serviços, crescimento da economia.

PL: Entre os objetivos que a COTEC definiu para 2013 encontram-se a dinamização da Inovação empresarial, a Valorização do conhecimento e a Aceleração do crescimento das PME. Qual o balanço da atividade desenvolvida pela COTEC até ao momento na prossecução destes objetivos?

DB: A COTEC Portugal prossegue os três objetivos que refere, de forma continuada, praticamente desde o momento em que foi criada, em 2003. Faço um balanço moderadamente positivo dos resultados conseguidos – mas esse balanço é absolutamente irrelevante, a partir do momento em que me recuse a incorrer num dos vícios que mais abomino em terceiros: avaliarem-se em causa própria.

PL: Quais os desafios que se colocam à COTEC no próximo ano?

DB: Se não quiser regressar aos desafios de sempre, repetindo-me, direi que a COTEC Portugal encara com a maior expectativa a oportunidade de colaboração com a AdI – Agência de Inovação, no âmbito de uma reformulação substancial do posicionamento e das formas de atuação desta Agência Governamental (que, por força da colaboração que nos foi proposta, se abriria a uma muito maior proximidade com o mundo empresarial, numa posição de charneira entre quem cria e desenvolve conhecimento e tecnologia, e quem aplica, tanto esse conhecimento como essa tecnologia, através da inovação). Abrem-se também perspetivas muito interessantes na área do fomento do empreendedorismo de base tecnológica, nomeadamente o nascido nas Universidades e nos Institutos Politécnicos do País.
Mais virados para dentro, para os nossos Associados, gostaria que 2014 assistisse a progressos sensíveis em duas áreas de trabalho que temos vindo desenvolver: a Comunidade de Práticas em matéria de Gestão do Conhecimento e a adoção pelas empresas de métodos mais sofisticados de avaliação dos seus investimentos em inovação (sobretudo na fase de decidir sobre esses investimentos, no âmbito de uma metodologia tipo ROI – Return on Investment).

PL: Como vê o desempenho da liderança política e empresarial em Portugal? Quais os pontos fortes e os a desenvolver?

DB: De acordo com os resultados divulgados pela União Europeia através do seu IUS – Innovation Union Scoreboard, Portugal é um “inovador moderado”, cujos resultados têm vindo a regredir nos últimos anos (depois de uma progressão assinalável nos anos anteriores), sobretudo por causa das dificuldades surgidas na frente financeira (nomeadamente crédito bancário e taxas de juro do crédito bancário, a que acrescem as dificuldades na área das finanças públicas). Os resultados conseguidos no IUS evidenciam também o que consideramos o ponto mais fraco do nosso “sistema de inovação”: uma baixa produtividade, manifestada num desempenho que vai perdendo fulgor à medida que se avança no que poderíamos considerar a “cadeia de valor da inovação”, com o nosso País a desempenhar-se sistematicamente melhor em matéria de condições e de recursos afetos à inovação, do que nos resultados económicos que consegue com essa mesma inovação. Esta falta de produtividade é uma das áreas de maior preocupação e de maior trabalho da COTEC Portugal.

PL: Tendo já desempenhado as funções de Ministro da Economia e sendo especialista em macroeconomia, no seu entender, o que há a fazer para que Portugal retome o crescimento económico e o equilíbrio das contas públicas?

DB: O facto de ter desempenhado as funções de Ministro da Economia (durante um curto período de tempo, já no século passado) não qualificará muito a resposta, nem ajudará muito – a não ser pela oportunidade de tirar algumas lições dos erros cometidos e que será sempre bom não repetir. No que se refere às soluções, continuo a não ver melhor do que cumprir o Programa que, juntamente com os credores institucionais, desenhámos em 2011: austeridade (redução de despesa, mais do que aumento de impostos) para diminuir o défice público (alinhar o que os portugueses pedem ao Estado com aquilo que estão dispostos a pagar por esse mesmo Estado, na formulação feliz do Professor Vítor Gaspar), e reformas estruturais, para potenciar o crescimento económico. Dado que as reformas estruturais têm um efeito incerto sobre o crescimento económico, sobretudo a curto prazo, preconizaria a adoção de medidas ativas de estímulo ao investimento (caso das medidas relativas a lucros reinvestidos, em sede de IRC, ou de medidas particularmente agressivas, tendo em vista a captação de investimento direto estrangeiro).

PL: Qual a situação que o fez aprender mais em termos de liderança e o que aprendeu?

DB: A situação em que aprendi mais em termos de liderança, foram os dez anos que passei como Presidente da Direção da ex-EGP – Escola de Gestão do Porto. Aprendi, sobretudo, a importância de todos os fatores de índole emocional, leia-se dos resultados quase inimagináveis que podem ser alcançados por uma equipa motivada e alinhada em torno de um projeto em que acredita. Aprendi também, para que a coisa não pareça demasiado etérea, a importância de a gestão ser servida por um sistema de informação poderoso, e rigoroso, e por um sistema de controlo de gestão ainda mais rigoroso. Aprendi, por último, para que este exercício termine com o que há de mais importante, sem o que tudo o resto se torna irrelevante e inútil, a importância de sermos capazes de transmitir aos nossos stakeholders, nomeadamente aos nossos clientes, os mais elevados índices de confiança na qualidade dos nossos processos e, por essa via, na qualidade do serviço que nos propomos prestar-lhes.

PL: Qual o líder nacional ou internacional cuja liderança destaca e porquê?

DB: Uma pergunta destas é de resposta muito difícil. Pede-nos que comparemos o incomparável. Obriga-nos a destacar pessoas por feitos que conseguiram (sou particularmente sensível a resultados), as mesmas pessoas que, de outros pontos de vista (determinados aspetos da sua personalidade, ou da sua conduta), podemos abominar (sobretudo quando as conhecemos ou julgamos conhecê-las mais de perto), ou as mesmas pessoas que, em outros momentos da sua vida, fracassaram. Expõe-nos na nossa ignorância (o que mostramos saber é também o que mostramos ignorar).

Mas “não sou homem fugir à luta”, sobretudo daquelas lutas em que me meti – e em que, portanto, já não há alternativa senão lutar. A maior parte dos meus ídolos são ganhadores, associados a “grandes realizações”: Lenine, Mao Tsé-Tung, Ho Chi Minh, Vo Nguyên Giap, Winston Churchill. Outros destacam-se, sobretudo, pela forma de atuação: Gandhi, Nelson Mandela. Há também grandes líderes na vida empresarial, tendencialmente mais efémera: Steve Jobs, Belmiro de Azevedo. Ou na vida desportiva, ainda mais efémera: José Mourinho. E há aqueles que admiramos pelo resultado conseguido, sem sequer termos a certeza de que o resultado conseguido foi o resultado inicialmente pretendido: Michail Gorbachev.

Se me obrigarem a destacar um, ou dois, ou três, ficar-me-ei por aqueles em que o sucesso poderá parecer mais inverosímil, tal era a dificuldade das condições de partida: Vo Nguyên Giap, Winston Churchill, Steve Jobs. O que não terão lutado, todos eles, para levarem os que lhes seriam mais próximos a segui-los, em busca de um sucesso em que, em determinados momentos, terão sido os únicos a acreditar.

PL: Para si, o que é o fundamental da liderança?

DB: A capacidade de levar os outros, nomeadamente os que nos são mais próximos, a acreditarem, levando-os a superarem-se – nomeadamente nas condições mais difíceis.

PL: Quais são os três principais desafios que confrontarão os líderes empresariais nos próximos dez anos?

DB: A intensificação da concorrência. A inovação tecnológica. A globalização.

PL: Quais são as três qualidades mais importantes para um líder empresarial nos próximos dez anos?

DB: A capacidade de construir e de motivar equipas. A preocupação com a sustentabilidade: privilegiando sempre o longo prazo, em detrimento do sucesso efémero, de curto prazo. A credibilidade, tanto pessoal como da organização que dirige.

PL: Onde mais tendem a falhar os líderes empresariais?

DB: Na motivação das suas equipas. Na sustentabilidade do sucesso das suas organizações.

 


Daniel-Bessa-Cotec-4Daniel Bessa é natural de Porto, é licenciado em Economia (Universidade do Porto) e doutorado em Economia (Universidade Técnica de Lisboa). Foi docente da Universidade do Porto (1970 a 2009), do ISEE - Instituto Superior de Estudos Empresariais (1988-2000), na EGP - Escola de Gestão do Porto (2000-2008) e na EGP – University of Porto Business School (2008 a 2009). Ainda na área do ensino, foi Presidente do Conselho Diretivo da Faculdade de Economia da Universidade do Porto (1978-1979), Presidente da Comissão Instaladora da Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico de Viana do Castelo (1989 a 1990), Pró-Reitor para a orientação da gestão financeira da Universidade do Porto (1990 a 1995), Director Executivo da AURN - Associação das Universidades da Região Norte (1996-2000), Presidente da Direção da EGP - Escola de Gestão do Porto (2000 a 2008) e Presidente da Direção da EGP – University of Porto Business School (2008 a 2009). 
É, desde 2009, Diretor-Geral de COTEC Portugal – Associação Empresarial para a Inovação. É Administrador do Finibanco Holding, S.G.P.S., S.A. (desde 2001), Administrador não executivo de Efacec Capital, S.G.P.S., S.A. (desde 2004) e da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal – AICEP, E.P.E. (desde 2007). Presidente do Conselho Fiscal de Bial – Portela e Companhia, S.A. (desde 2008), do Conselho Fiscal da Sonae, S.G.P.S., S.A. (desde 2007), do Conselho Fiscal da Galp Energia, S.G.P.S., S.A. (desde 2006), do Conselho Consultivo do IGFCSS – Instituto de Gestão de Fundos de Capitalização da Segurança Social (desde 2000), e do Gabinete de Estudos da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas (desde 2005). É Membro do Comité de Investimentos de PVCI - Portuguese Venture Capital Initiative, entidade criada pelo FEI – Fundo Europeu de Investimento (desde 2008) e do Conselho Consultivo de Microprocessador, S.A. (desde 2007). É Vogal do Conselho de Administração da Fundação Bial (desde 2003) e membro do Conselho Consultivo Internacional da FDC – Fundação Dom Cabral (desde 2009). 
Foi administrador do FINIBANCO, S.A. (1997 a 2008), administrador não executivo da CELBI - Celulose Beira Industrial (1996 a 2006) e da INPARSA - Indústrias e Participações, S.G.P.S, S.A. (de 1997 a 1999), Presidente do Conselho Fiscal da SPGM - Sociedade de Investimentos (de 1997 a 2007), membro do Conselho Consultivo das Indústrias de Condutores Eléctricos e Telefónicos F. Cunha Barros, S.A. (de 2001 a 2003) e Presidente da Mesa da Assembleia Geral da APDL - Administração dos Portos do Douro e Leixões (de 1999 a 2002). 
Foi colaborador externo do Grupo Sonae (de 1999 a 2006), intervindo nas áreas da previsão macroeconómica e da formulação estratégica. Na mesma qualidade, integrou o Conselho Consultivo da Sonae S.G.P.S., S.A., e o Conselho Consultivo da Sonae Indústria, S.G.P.S., S.A. 
Economista em regime de profissão liberal, desde 1983. Trabalhou com empresas e grupos económicos privados, entidades públicas, associações económicas regionais e sectoriais, sindicatos, escolas e outras entidades (entre outros: Sonae, Grupo Amorim, Siderurgia Nacional – Serviços, HCB – Hidroeléctrica Cahora-Bassa, Empresa Carbonífera do Douro, Soserfin – Sociedade de Serviços Financeiros, Governo da República Popular de Angola, Governo Regional dos Açores, Comissão de Coordenação da Região Norte, ACSS – Administração Central do Sistema de Saúde, Estrutura de Missão Parcerias-Saúde, IGIF – Instituto de Gestão Informática e Financeira do Ministério da Saúde, ARS Centro – Administração Regional de Saúde do Centro, Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia, Câmara Municipal do Porto, Câmara Municipal do Funchal, Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, Câmara Municipal de Póvoa do Varzim, Câmara Municipal de Bragança, Câmara Municipal de São João da Madeira, Câmara Municipal do Cartaxo, Câmara Municipal do Marco de Canavezes, Associação de Municípios do Vale do Lima, Associação de Municípios do Vale do Minho, ATP – Associação Têxtil e Vestuário de Portugal, APICCAPS – Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes, Artigos de Pele e seus Sucedâneos, APIM – Associação Portuguesa das Indústrias de Malhas e de Confecção, AIMMP – Associação das Indústrias de Madeira e Mobiliário de Portugal, ANCEVE – Associação Nacional de Comerciantes e Exportadores de Vinhos e Bebidas Espirituosas, ANECAP – Associação Nacional das Empresas Concessionárias de Áreas Portuárias, Sindicato dos Bancários do Norte, CLIP – Colégio Luso Internacional do Porto, COTEC Portugal). 
Encarregado de Missão junto dos Ministérios da Economia e da Segurança Social e do Trabalho do Governo Português para coordenar a elaboração técnica do Programa de Recuperação de Áreas e Sectores Deprimidos (de 2003 a 2004). Presidente da Assembleia Municipal de Vila Nova de Cerveira (de 1998 a 2003). Ministro da Economia do Governo Português (de 1995 a 1996) e deputado eleito à Assembleia da República Portuguesa (1995). Porta-voz do Partido Socialista para as questões económicas e financeiras (de 1992 a 1995). 
Autor de "O Processo Inflacionário Português 1945-1980", publicado por Edições Afrontamento, Porto, em 1988. Artigos publicados nas revistas Análise Social, Cadernos de Ciências Sociais, Cadernos de Economia, Estudos de Economia, Indústria – Revista de Empresários e Negócios, Pensamiento Ibero-americano - Revista de Economia Política, Praxis e Revista Crítica de Ciências Sociais. Intervenção regular em conferências e seminários, e na comunicação social portuguesa.